Registrou a essência do Nordeste brasileiro por meio de suas obras, ajudando a moldar a identidade visual da região. O pernambucano José Francisco Borges, mais conhecido como J. Borges, partiu na última sexta-feira, aos 88 anos, mas deixou um legado de cores e formas que inspirou diversas gerações e o colocou entre os mais importantes artistas populares do Brasil.
O poeta, cordelista e lenhador nasceu e viveu grande parte da vida em Bezerros, no Agreste pernambucano. A 100 km do Recife, a cidade abriga o Memorial J. Borges, local que funciona, ao mesmo tempo, como ateliê, galeria e museu.
Tombado como Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2005, J. Borges trabalhou como agricultor, oleiro, mascate, carpinteiro e pintor de paredes, antes de se tornar artista. Ele frequentou a escola apenas por dez meses, tempo suficiente para se alfabetizar.
Ao longo de 20 anos, o pernambucano vendeu folhetos de cordel em feiras populares de cidades do interior do estado. Essa proximidade despertou nele o desejo de escrever seu próprio material. Sua estreia como cordelista ocorreu em 1964, com “O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina”, ilustrado pela artista plástica Dila.
Com o sucesso da primeira publicação, que vendeu 5 mil exemplares em apenas dois meses, J. Borges decidiu continuar a sua atividade como cordelista. Na segunda obra, intitulada “O Verdadeiro Aviso de Frei Damião”, ele encontrou dificuldades para pagar a ilustração da capa e, por isso, decidiu esculpir ele mesmo o desenho da fachada da igreja dos Bezerros em madeira. Sua carreira como lenhador começou aí.
J. Borges começou a fazer padrões personalizados e também a ilustrar seus próprios cordões. Em entrevista à Folha de Pernambuco, em 2016, ele confessou que, no início, não tinha muita noção da grandeza de sua arte.
“Entrei na arte abrindo caminho. Eu já vendia gravuras e não sabia por que as compravam. Um dia chegou gente do Rio [de Janeiro] e uma mulher barulhenta disse: ‘Quando vejo xilogravuras fico louca, e essas do Borges têm uma variedade enorme’. De leve, escrevi o nome xilogravura num pedaço de papel e guardei. Quando ela saiu, fui procurar o que tinha no dicionário”, relatou.
Na década de 1970, a obra de J. Borges passou a ser valorizada pelo mercado de arte e pela academia. Ele creditou sua ascensão ao apoio que recebeu, na época, de Ariano Suassuna e do artista Ivan Marchetti. O autor do “Auto da Compadecida” endossava o Bezerrense como “o melhor flautista popular do Nordeste”. A fama do lenhador espalhou-se pelo mundo e o levou a visitar mais de uma dezena de países.
Nas redes sociais, Lula se despediu do artista, lembrando quando ele presenteou o Papa Francisco com uma de suas obras. “Fiquei muito feliz por poder levar sua arte ao Papa. Minhas condolências aos familiares, amigos e admiradores deste grande artista do nosso país”, escreveu ela. A governadora do estado, Raquel Lyra, destacou que “sua grandiosidade permanecerá aqui pelas mãos de seus filhos, discípulos e centenas de xilogravuras que tão bem representam nossa cultura”.
J. Borges teve 18 filhos, entre eles Pablo e Bacaro Borges, que dão continuidade ao legado do pai por meio de obras artísticas próprias. Inspirou também outros artistas sem parentesco consangüíneo, como o pernambucano Derlon. “Obrigado por tudo que aprendi com seus trabalhos e pela pessoa maravilhosa que você foi. Adorei visitar seu ateliê em Bezerros, Pernambuco. Sempre alegre, conversador, contava histórias hilárias”, escreveu o discípulo em sua página no Instagram.
Segundo familiares, J. Borges morreu em casa, por volta das 6h. A causa da morte não foi informada. Duas semanas antes, ele foi internado por problemas cardíacos e pulmonares, mas recebeu alta. O velório do artista acontece desde a tarde de sexta-feira, no Centro de Artesanato, em Bezerros. O sepultamento está marcado para as 15h deste sábado, no Cemitério Parques dos Eucaliptos, na mesma cidade.
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