Mais diretores da rede estadual de ensino estão chegando ao cargo por meio de processo seletivo e eleição pela comunidade escolar. O percentual, que já era de 12,7% em 2019, chegou a 26,1% em 2023. O resultado faz parte de pesquisa divulgada nesta segunda-feira (15) com informações de todas as regiões do Brasil. Por outro lado, houve queda no número de contratados exclusivamente por recomendação da administração. Era de 24% em 2019, caindo para 20% em 2023.
A pesquisa Perfil dos diretores e desafios da gestão escolar nas redes estaduais de ensino do Brasil, elaborada a pedido do Instituto Unibanco, combina dados do Censo Escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
A forma de acesso ao cargo de gestão e a origem dos profissionais, segundo especialistas, têm impactos importantes no cotidiano escolar.
“É uma bandeira sindical histórica. Sempre exigimos que houvesse eleições diretas em todas as redes. É a possibilidade de ouvir a comunidade escolar. E este é um processo de exercício da democracia. Dessa forma, é possível pensar um projeto político-pedagógico baseado em cada realidade, com quem já tem compromisso histórico com a rede. Tem uma relação muito enraizada”, afirma Duda Quiroga, diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). “Quem vem de fora, contratado, pode encarar isso como uma coisa temporária. E se você vem como recomendação, costumamos dizer que você vem como interveniente também.”
Perfil
A pesquisa traz outros detalhes sobre o perfil desses profissionais. Os números de 2023 indicam que 50,6% dos diretores de escolas estaduais eram brancos, 24,8% pardos, 4,5% negros e 17,6% não quiseram declarar sua cor/raça. Em 2011, esses percentuais eram de 55,7% de brancos, 33% de pardos, 6,2% de negros e menos de 2% não quiseram se declarar.
Quanto ao género, o cargo era ocupado por 76,4% de mulheres e 23,6% de homens em 2011. Em 2023, o número de homens subiu para 33,5%, enquanto o número de mulheres caiu para 66,5%. Ao considerar a faixa etária, só há dados de 2013. Naquele ano, a maioria (45%) tinha entre 40 e 49 anos, seguida de 35% que tinham 50 anos ou mais. Em 2023, 50% tinham 50 anos ou mais, enquanto 35% tinham entre 40 e 49 anos.
Quanto à formação, em 2011, 33,6% dos diretores eram formados em pedagogia, enquanto 48% eram profissionais de outras áreas da educação (formações diversas, como história, matemática, literatura, química, etc.). Em 2023, 38% tinham formação em pedagogia, 55,2% em outras áreas do ensino.
O percentual de diretores com curso de formação em gestão escolar concluído variou muito entre as unidades federativas do país. Em 2020, apenas Rondônia e Acre tinham de 30 a 40% de diretores com esse tipo de formação. Acre, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão, Ceará e Sergipe ficaram entre 20 e 30%. Todos os demais apareceram com menos de 10%. Em 2023, o Piauí tinha entre 90 e 100%, seguido por Brasília (entre 40 e 50%), Acre, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Paraná, Espírito Santo, Maranhão, Ceará, Sergipe e Pernambuco (entre 30 e 40%) .
“Essa enorme heterogeneidade entre os estados nos faz pensar que é muito importante que as redes estaduais conheçam melhor seus dirigentes. E eles não necessariamente sabem, não conhecem o perfil dos profissionais que estão trabalhando. É importante saber qual é a formação, se existe algum tipo de lacuna que seja interessante cobrir e qual objetivo se quer atingir com isso”, afirma Breno Salomon Reis, pesquisador responsável pelo estudo e consultor do Instituto Unibanco.
“O que este estudo revela é que estes dirigentes não têm sequer formação inicial. São professores que, em algum momento da carreira, tornaram-se gestores, sem receber formação adequada para isso. Se os nossos professores forem mal formados e os diretores nem sequer forem formados para as suas funções, será difícil gerar uma educação de qualidade. Acho que é uma conclusão que deve nortear o nosso trabalho daqui para frente”, afirma João Marcelo Borges, gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco.
Desafios
A pesquisa com diretores de escolas estaduais do país também aborda algumas questões que podem ser desafiadoras na gestão. A primeira delas diz respeito à carga horária semanal, que parece ter sido especialmente impactada pela pandemia da Covid-19. Em 2021, em todas as regiões, mais de 60% dos diretores relataram trabalhar mais de 40 horas por semana. No período pré-pandemia, o valor oscilou entre 35% e 42%.
As atividades com maior demanda foram coordenar atividades administrativas (refeição, segurança, manutenção predial e afins), gerenciar recursos financeiros (prestação de contas e afins) e realizar planejamento pedagógico.
“Existem algumas hipóteses para essa questão da sobrecarga. Uma delas foi a recomposição do aprendizado. Os alunos retornaram da pandemia com diversas lacunas e isso exigiu um trabalho mais intensivo das escolas. Alguns diretores ofereceram reforços depois das aulas. E tiveram que decidir quais professores assumiriam o horário, em quais salas, como organizar o almoço e o transporte dos alunos”, afirma Ivan Gontijo, gerente de Política Educacional do Todos Pela Educação. “Algumas questões socioemocionais também se agravaram no pós-pandemia. Esse período impactou a saúde mental de alunos e professores. Os desafios de convivência e a indisciplina escolar afetaram os diretores, que são o elo da escola com as famílias”.
Também foi investigado como as escolas são afetadas pela falta de recursos ou de pessoal. Desde 2015, existe uma percepção generalizada da insuficiência de ambos. Em todas as regiões, menos de 50% dos diretores afirmaram que ambos os recursos eram suficientes para não afetar o funcionamento da escola.
A pesquisa explora questões de frequência de professores e alunos, o que significa garantir que ambos os grupos estejam na sala de aula durante as aulas. A percepção de assiduidade entre os alunos variou entre 65 e 75% em 2019, para entre 50 e 60% em 2021. No caso dos professores, esta percepção situou-se entre 60 e 85% em 2019, e entre 75 e 90% em 2021.
Foi analisada a facilidade de substituição das faltas dos professores. Neste caso, existem muitas diferenças regionais e estaduais. Em 2019, o destaque positivo foi Mato Grosso do Sul: entre 70-80% dos diretores não encontraram dificuldades nessa substituição. São Paulo foi o destaque negativo, onde esse percentual variou entre 20 e 30%. Em 2021, o percentual ficou entre 70 e 80% em Minas Gerais, Tocantins, Maranhão, Pernambuco e Paraíba. E entre 20 e 30% na Bahia.
“A gestão está atendendo às suas demandas. E aí, quando falta um professor, as opções são deixar a turma sem aulas, o que é péssimo, ou a própria direção assumir a aula. Mas as tarefas administrativas precisam ser interrompidas para que você possa assumir a aula. E numa escola com 15 turmas, por exemplo, pode acontecer que um dia faltem três ou quatro professores. Imagine como o diretor poderá substituir todos ao mesmo tempo?” reflete Duda Quiroga, do SEPE-RJ.
Papel estratégico
Apesar de ser uma função estratégica, que ocupa a mais alta hierarquia da unidade escolar, a direção-geral é, historicamente, pouco abordada nas pesquisas sobre ambientes educacionais. O foco costuma ser maior para alunos e professores. O estudo corrobora este entendimento, quando afirma que “há pouco mais de uma década não existiam dados suficientes para caracterizar este número [diretor(a)] no nível da unidade da federação com razoável confiança estatística”. E, por isso, apresenta-se como mais uma ferramenta para aumentar a compreensão do funcionamento do ambiente escolar.
“Há pouca literatura acadêmica no Brasil sobre diretores, porque eles são classificados como os chamados ‘burocratas de nível médio’. Eles permanecem nesta camada porque não atendem diretamente os alunos na maior parte do tempo. Mas também não são membros do Departamento de Educação, apesar de muitas vezes se sentirem parte da estrutura oficial do departamento. Há poucas pesquisas sobre diretores e gestão escolar. A primeira pesquisa de opinião que foi feita com eles é de 2022, além desses questionários. Ainda estamos muito focados na análise da sala de aula”, afirma Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
“É fundamental avançar nos estudos sobre essa categoria, pelo impacto que ela causa no ambiente escolar. Um bom diretor pode gerir a equipe de profissionais da escola, manter um bom relacionamento com a Secretaria de Educação e a Secretaria Regional e garantir que cheguem a esta unidade os insumos e recursos que a política educacional precisa fornecer à escola. Então, faz com que todo esse ambiente na escola funcione de forma fluida e tranquila. E isso se traduzirá em salas de aula com professores e alunos regulares e com a escola funcionando bem”, afirma João Marcelo Borges, do Instituto Unibanco.
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