O cinema nunca mais foi o mesmo desde que Steven Spielberg lançou “Tubarão”, em junho de 1975. Orçado em US$ 7 milhões, a obra dobrou as filas de cinema, inaugurou o conceito de “filme de verão” em Hollywood e mudou para sempre a relação entre banhistas e predadores marinhos.
Além disso, inaugurou um subgênero do cinema fantástico: o filme de tubarão. Realista ou absurdo, assustador ou cômico, superficial ou profundo, sua barbatana continuou em evidência nas telonas.
Atualmente, dois filmes sobre tubarões fazem sucesso no streaming. O francês “Sob as Águas do Sena” é estrelado por Bérénice Bejo como uma cientista que precisa superar um trauma do passado para ajudar a remover um tubarão preso, sim, no rio que atravessa Paris —já no clima pré-olímpico.
O filme está há quatro semanas no top 10 mundial da Netflix, com aproximadamente 85 milhões de visualizações no período. Depois de aparecer brevemente nos cinemas em março, “Despero Deep” chegou ao Amazon Prime Video na semana passada e, no momento, ocupa o posto de filme mais assistido da plataforma no Brasil.
A trama acompanha uma viagem de férias que se transforma em pesadelo quando um avião cai em um mar infestado de tubarões.
– “Tubarão” é, sem trocadilhos, um divisor de águas na história de Hollywood. Inaugura a era do blockbuster moderno — destaca o crítico Marcelo Janot. — Spielberg mostra que o medo daquilo que você não vê é muito maior do que aquilo que você vê. Com trilha sonora minimalista de John Williams e uma câmera que capta o ponto de vista do tubarão, cria uma experiência assustadora para o espectador.
Depois do clássico de 1975, cresceu o medo dos tubarões e da caça esportiva aos animais, o que fez o próprio Spielberg se arrepender do impacto de seu trabalho.
“Não tenho medo de ser comido por tubarões, mas tenho medo que os tubarões fiquem, de alguma forma, zangados comigo”, disse o cineasta em entrevista à BBC, em 2022.
Por outro lado, os especialistas lembram que o sucesso do filme nos trouxe mais pesquisas sobre o animal. Responsável técnico pelo AquaRio, o biólogo marinho Rafael Franco lamenta a imagem que o cinema tende a transmitir.
— Sempre que vejo um filme como esse, considero um retrocesso, porque você promove essa imagem de que os tubarões são feras assassinas — diz Franco. — Na maioria das vezes, os ataques estão relacionados a algum desequilíbrio ambiental, como ocorreu após a construção do Complexo Portuário de Suape, no Recife. Tentamos mostrar que é possível conviver e até mergulhar de forma 100% segura com estes animais.
Que tubarão é esse, Porchat?
Em exibição no Rio com o stand-up “Histórias do Porchat”, o comediante e apresentador Fábio Porchat lembra da oportunidade de nadar com “o tubarão do filme”.
— Nadei com um grande tubarão branco na África do Sul e foi uma experiência maluca. A água estava muito fria, então você coloca aquela roupa toda, uma máscara e fica na jaula esperando ele aparecer. Vi dois tubarões, um debaixo d’água e outro do barco — lembra o humorista. — É uma sensação muito legal estar no mar vendo um tubarão na sua frente, mas te dá tensão, porque é aquele tubarão do filme, que come gente. Por um segundo, você se pega pensando: “O que eu faço se esse tubarão entrar nesta jaula e decidir fazer seu próprio McDonald’s?”
Variações do mesmo monstro
A comunidade científica, diz Rafael Franco, do AquaRio, trata as histórias de tubarões no audiovisual como ficção científica. A definição não difere muito daquela feita por diretores e pesquisadores de cinema, que os enquadram no gênero e no cinema de terror.
— Assisti “Tubarão” quando era muito jovem e lembro de ter ficado muito assustado. A forma como Spielberg trata o animal do filme é claramente monstruosa, é um animal que é puro instinto, com comportamento destrutivo, anti-humano — destaca o diretor Marco Dutra. — Eu não tinha medo do mar. Eu tinha medo de tubarão até na minha própria casa, fantasiava que um tubarão poderia aparecer no meu quarto. E isso não tem nada a ver com a biologia do animal, mas com a forma como os filmes tratam o animal como um monstro.
Conhecido por seu trabalho em filmes com muitos elementos de terror e suspense, como “Trabalho Cansa” e “Boas Maneiras”, Dutra revela ser um admirador de filmes de tubarão, citando desde propostas mais ousadas como “Sharknado” (2013). ), sobre um tornado de tubarões, “Shark Exorcist” (2014), sobre um tubarão possuído por um demônio, ou “Megatubarão” (2018), com Jason Statham enfrentando um tubarão pré-histórico, até longas mais ousados como “Águas Rasas” ( 2016), de Jaume Collet-Serra, que apresenta Blake Lively como uma surfista em uma batalha angustiante com um tubarão quando ela se vê presa em uma pequena rocha a poucos metros da costa.
O cineasta também lembra das “sequências brutais” do clássico de Spielberg, lançado em 1978, 1983 e 1987.
Entre piranhas e orcas
Laura Cánepa, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNIP/SP e pesquisadora de cinema, lembra que o filme de 1975 também gerou uma corrida por filmes de monstros com outros animais reais.
— Acho que os melhores imitadores de Spielberg não foram os tubarões, mas sim outros animais aquáticos. Os principais foram “Orca: a baleia assassina” (1977), de Michael Anderson, “Piranha” (1978), de Joe Dante, e “Jacaré: o jacaré gigante” (1980), de Lewis Teague, — aponta Cánepa . — O que outros filmes de tubarão fazem é tentar exagerar o primeiro “Tubarão”. Você aumenta o tamanho do tubarão, impulsionando o animal para conseguir o efeito e impacto do filme original, mas nunca será suficiente. Então chegamos ao tubarão de cinco cabeças.
O subgênero do filme sobre tubarões é muito mais ativo do que se imagina. Todos os anos, vários filmes são produzidos e muitos nem chegam às telas brasileiras, como “Tubarão de Cocaína” (2023), em que tubarões usados em experimentos para criar uma nova droga causam pânico após escaparem de um laboratório.
A Sony está atualmente desenvolvendo um filme sem título com Phoebe Dynevor, de “Bridgerton”, sofrendo de tubarões.
Outros longas em desenvolvimento são “O último suspiro”, sobre um grupo de amigos que mergulha no Caribe e acaba cercado por tubarões em meio aos destroços de um navio da Segunda Guerra Mundial, “Alguma coisa na água”, sobre um grupo de amigos que sofrem um acidente de barco e ficam cercados na água, e “Into the Deep”, com Richard Dreyfuss voltando a enfrentar o animal quase 50 anos depois de “Tubarão”, entre outros.
Versão brasileira
O cinema brasileiro não tem exatamente exemplos de filmes de tubarão, mas também tem seus “filhotes” do sucesso de 1975. No ano seguinte, o Brasil lançou “Bacalhau” (1976), de Adriano Stuart, uma paródia do filme de Spielberg, em que um bacalhau gigante atormenta uma cidade do litoral paulista. Foi um verdadeiro sucesso, trazendo 1,3 milhão de pessoas aos cinemas.
Três anos depois foi lançado “The Assassin Fish”, uma coprodução entre Itália, Brasil e EUA, filmada em Angra. Dirigida por Antonio Margheriti e estrelada por Lee Majors, a trama acompanha um grupo de ladrões de joias que tentam recuperar um tesouro escondido no fundo de um rio cheio de piranhas.
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