Mato Grosso do Sul registrou 940 vítimas de estupro nos primeiros seis meses de 2024. Desse total, 751 são crianças e adolescentes, segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Ou seja, do total de vítimas, 79,8% são crianças.
No total, 436 crianças e 315 adolescentes foram vítimas de estupro no Estado.
Considerando o total de vítimas, das 940, são 784 mulheres.
Em Campo Grande foram registradas 198 vítimas, sendo 121 crianças e 77 adolescentes. Até à data, houve um total de 257 vítimas de violação, a maioria das quais são mulheres.
Gravidez na adolescência
O sofrimento de famílias e pessoas envolvidas com crianças e adolescentes vítimas de estupro se reflete nos números assustadores divulgados pelo Correio Estadual.
Nos últimos nove anos, 3.436 crianças e adolescentes de até 14 anos tornaram-se mães em Mato Grosso do Sul. Dados do painel de acompanhamento de nascimentos do governo federal, administrado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Meio Ambiente, mostram que, em média, ocorrem 23 nascimentos por mês no estado onde as mães dos bebês são meninas de 14 anos.
Em 2023, ocorreram 276 nascimentos em Mato Grosso do Sul envolvendo mães menores de 14 anos, marcando o maior número registrado desde 2015, quando 512 crianças se tornaram mães. Até abril deste ano, 85 meninas com menos de 14 anos já tinham filhos, conforme explica o advogado criminalista Gustavo Scuarcialupi.
“Suponhamos que, se essa relação for entre um homem de 30 anos e um menor de 13 anos, se trate de estupro de vulnerável independente do consentimento dela, porque esse ato é considerado violência presumida, e a presunção é absoluta”, declarou O advogado.
Segundo Suarcialupi, apenas em alguns casos específicos a relação sexual com menor de 14 anos não é considerada crime.
“Se ambos forem adolescentes, menores de 14 anos, os menores não cometem crime, é considerado infração. Também não é considerado crime quando o adulto não sabe que a pessoa com quem se relacionou é menor, por exemplo, se por acaso o menor falsificou o seu documento”, informou Scuarcialupi.
Nacionalmente, o Nordeste foi a região do país com maior número de gestações de menores de 14 anos, no ano de 2023, com 5.251 nascimentos. Entre os Estados, o Pará apresenta as maiores taxas, registrando 1.431 nascimentos, seguido pelo estado de São Paulo com 1.359.
ESTUPRO DE CRIANÇAS
Segundo a psicóloga Gabriela Cayres, especializada no apoio a crianças vítimas de abuso sexual, é importante que as vítimas que vivenciaram esse tipo de trauma recebam apoio e apoio psicológico.
“Desde o primeiro contato, procuramos criar vínculo com a criança, oferecer carinho e minimizar a dor causada pelo trauma, seja por negligência ou abuso. Realizamos rodas de conversa, escuta ativa, encaminhamento para terapia individual e validação de sentimentos”, explica.
Nos últimos seis anos, o número de casos de estupro contra crianças vem crescendo em Mato Grosso do Sul. O registo, que foi de 479 casos em 2017, quase triplicou desde então, atingindo 1.311 vítimas de violação infantil no ano passado.
A psicóloga também alerta sobre os sinais de que uma criança pode estar sendo estuprada. “Automutilação, comportamento introspectivo, irritabilidade, insônia, baixa autoestima, diurese excessiva, principalmente à noite, e pesadelos constantes são alguns dos sinais”, explica.
Segundo levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), nos primeiros seis meses deste ano foram registradas 425 ocorrências envolvendo abuso sexual contra crianças. Isto significa que a cada dois dias cinco crianças eram violadas no MS.
Enquanto isso, dados de 2018 até o ano passado mostram que, em média, são registrados 1.216 casos anualmente em todo o território sul-mato-grossense.
Um dos motivos pelos quais no ano passado houve um aumento no número de casos (de 1.169 em 2022 para 1.311 em 2023) pode ser a repercussão do caso Sophia, ocorrido em janeiro de 2023. Até então, ano após ano, os registros tinham vem aumentando. mantendo uma média de 1.216 ocorrências.
ASPECTOS PSICOLÓGICOS
Vivenciar uma situação de abuso sexual pode causar uma série de problemas, como ansiedade, perda de autoestima, nervosismo, distúrbios do sono, obesidade, problemas educacionais, implicações e dificuldades na aprendizagem da criança.
A longo prazo, crianças e adolescentes podem desenvolver dificuldades nas relações sexuais futuras. Segundo a psicóloga clínica e hospitalar Cláudia Pinho, depois de passarem por uma situação de abuso, algumas crianças podem passar a ter duas atitudes opostas: uma de sempre solicitar carinho e atenção dos adultos, como abraços, e outra de repelir e evitar o contacto físico. com adultos.
“Normalmente há um sentimento de culpa, a vítima não consegue discernir quem é o culpado na situação e [a criança] ela acaba se sentindo culpada pelo ocorrido, e às vezes não diz por que sente essa culpa. Então, o sofrimento vira uma bola de neve”, comenta a psicóloga.
Porém, Cláudia alerta que os adultos devem ter cautela ao observar uma criança, pois é necessário investigar a possível situação de violência sofrida.
“Precisamos ler esses comportamentos com equilíbrio e responsabilidade, pois um sinal de abuso também pode ser sinal de outra situação ou violência na vida da criança e do adolescente. É preciso investigar se é depressão, ansiedade, bullying ou outra situação”, explica Pinho.
Entre os indícios de possível abuso estão situações de comportamento sexual inadequado, que a criança não tinha antes, pesadelos noturnos, distúrbios do sono, muita tristeza, isolamento (até mesmo da criança que era comunicativa), regressões, como fazer xixi na cama novamente, medo de algum lugar ou situação e compulsão alimentar.
“Tudo o que é extremo, que altera muito o comportamento, gera alerta. Nem sempre a vítima consegue verbalizar, mas dá vários sinais [da violência sofrida]”, diz a psicóloga.
A experiência de uma situação abusiva é diferente para cada pessoa. Pinho relata que algumas crianças que passam por essas situações camuflam o que aconteceu como se fosse algo que não vivenciaram, e isso é um mecanismo de defesa do cérebro.
“O importante é que essa emoção que fica precisa ser cuidada. É importante buscar terapia para trabalhar essa pressão interna de vergonha, desproteção e corpo invadido”, afirma a psicóloga.
PROJETO
Na última quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados aprovou a colocação em regime de urgência do Projeto de Lei nº 1.904/2024, que visa, entre diversas alterações no Código Penal Brasileiro, criminalizar vítimas de estupro que queiram fazer um aborto após a 22ª semana gestacional .
Segundo o PL, mesmo nos casos em que a mulher foi vítima de violência sexual, tanto ela quanto o médico, que realizar o aborto após a 22ª semana, responderão por homicídio simples, o que, para o jurista Gustavo Scuarcialupi, é um “absurdo “.
“Acho que isso é uma violência institucional completa do Estado, que basicamente não dá proteção suficiente às mulheres, para que elas não sofram violência sexual, não sejam estupradas e consequentemente engravidem, e além disso impede que diminuam, pelo menos , de alguma forma as consequências dessa violência sexual que o próprio Estado não conseguiu prevenir”, relata o jurista.
A assistente social Patrícia Ferreira da Silva, que atua no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP), ao acolher vítimas de estupro que optam pelo aborto legal, ressalta que se o projeto for aprovado, impactará principalmente as crianças, que descobrem sua gravidez como resultado de violência sexual tardia.
“Os maiores prejudicados são aqueles que dependem dos serviços públicos, que são socioeconomicamente mais vulneráveis, e em particular as meninas e adolescentes, que são a maioria, como já relatado em diversas pesquisas, que descobrem esta gravidez tardiamente e sabemos que muitas vezes esta violência sexual Foi por pessoas que eles conheciam e pela própria família, trazendo medo e desconhecimento em relação aos seus direitos”, destaca Patrícia.
DISQUE 100
No primeiro semestre de 2024, o serviço de denúncias Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos, registrou 239 denúncias de violência sexual contra menores de 18 anos no MS.
Segundo dados do Painel Nacional do Provedor de Direitos Humanos, foram mencionadas um total de 577 violações de direitos humanos, incluindo 217 casos de violação de pessoa vulnerável, 167 de violência sexual física, 129 de violência psicológica e 50 de assédio sexual.
O período em que houve maior número de denúncias ocorreu nos meses de fevereiro e maio, com 23% das denúncias relatando que as violações, contra a criança ou adolescente vítima, começaram há mais de um mês e 14% afirmaram que a violação começou há mais de um ano.
Das 239 denúncias, 114 informaram que o cenário de estupro ocorreu no local onde residem a vítima e o suspeito e 44 afirmaram que a violência sexual ocorreu na casa da vítima.
A capital Campo Grande é a cidade onde se concentra o maior número de denúncias de denúncias (122) e de violações (305). Dourados, Ponta Porã, Maracaju, Três Lagoas e Rio Brilhante são as cidades do interior com mais reclamações pelo Disque-Disque 100.
*Colaborou com Judsom Marinho
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