O intercâmbio entre os dois países acontece este mês; Incêndios florestais já consumiram cerca de 12% do bioma
Especialistas que atuam em dois órgãos portugueses para executar estratégias diretas contra incêndios florestais fizeram seu primeiro intercâmbio no Brasil e acompanharam, este mês, o combate aos incêndios no Pantanal.
A proposta é que as ações desenvolvidas no país europeu após a tragédia de 2017 possam ser traduzidas em implementação no território pantaneiro, que tem visto grande destruição causada pelas chamas nas últimas décadas.
Trabalho com comunidades, monitoramento por meio de tecnologia, políticas integradas de manejo de incêndios e atuação forte na prevenção estão na lista de ações.
Em 2017, Portugal registou incêndios que mataram pelo menos 64 pessoas diretamente, deixaram mais de 250 feridos e causaram cerca de 500 milhões de euros (cerca de R$ 2,9 mil milhões a preços atuais) em prejuízos.
Naquela época, o incêndio durou cerca de uma semana na região central do país europeu.
O incêndio florestal no Pantanal é registrado de forma quase ininterrupta desde outubro do ano passado.
Em 2023, os casos estavam mais concentrados em Mato Grosso. A partir de junho deste ano, o incêndio causou danos maiores ao Estado.
Dados do Laboratório de Aplicações Ambientais por Satélites da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ) indicaram que 12,1% do bioma já foi destruído este ano, algo em torno de 1,83 milhão de hectares.
Agora, neste mês, a situação ficou mais grave. As chamas provocaram a morte de um homem de 32 anos, depois de mais de 90% do seu corpo ter sido queimado. O caso aconteceu em Porto Esperança, região de Corumbá.
Também fechou – parcial ou totalmente – a BR-262, próxima à comunidade Salobra, em Miranda, por mais de um dia.
Sem contar as mortes de animais silvestres, danos à biodiversidade e prejuízos à pecuária no valor de R$ 17.247.666,86 no período de pouco mais de dois meses (de 4/10 a 6/12).
ESPECIALISTAS
Um perito da Agência de Gestão Integrada do Fogo Rural (Agif), entidade portuguesa que não existe semelhante no Brasil, e um perito em Gestão do Fogo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), órgão do país europeu equivalente ao Instituto Ministério do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), acompanham o cenário pantaneiro desde o dia 10 e permanecerão no Brasil até amanhã.
Antônio Salgueiro, da Agif, explicou que Portugal precisava mudar a forma como gerenciava o fogo após o caso de 2017 e que uma troca de conhecimento poderia ajudar o Brasil.
“Em termos culturais, tal como em Portugal, tal como no Brasil, temos desafios a superar. Muitas vezes falamos apenas dos responsáveis, mas a perspectiva é que precisamos conversar sobre trabalhar juntos, sem complexos de culpa”, disse Salgueiro.
“O Pantanal tem duas vezes e meia o tamanho de Portugal e isso é, sem dúvida, um desafio a enfrentar. Além disso, hoje em Portugal temos monitorização da situação em tempo real, enquanto aqui dependemos fortemente de satélites”, acrescentou.
O uso da tecnologia no Pantanal é algo que ainda é aplicado de forma tímida. Em 2022, uma região no entorno da Serra do Amolar passou a ser monitorada em tempo real por meio de um sistema de câmeras que utiliza inteligência artificial para identificar sinais de fumaça.
Esse monitoramento é mantido pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), em parceria com a startup Um Grau e Meio, e também está à disposição do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS).
O Centro Nacional de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Prevfogo)/Ibama possui o mesmo tipo de sistema para monitorar uma região da Terra Indígena Kadiwéu.
Apesar da identificação da fumaça em até 5 minutos com esse sistema, enquanto os satélites demoram até 4 horas, a logística de chegar aos locais com fogo ainda enfrenta problemas, pois não há aviões ou helicópteros disponíveis para o combate a todo momento.
O coordenador do Prevfogo/Ibama no Mato Grosso do Sul, Márcio Yule, é quem acompanha os especialistas portugueses. Ele destacou que o trabalho conjunto das instituições de combate a incêndios avançou no Brasil e evitou que o incêndio atual fosse ainda mais grave.
Ao mesmo tempo, Yule concordou que o trabalho de prevenção é urgente e que isso envolve mudar a consciência sobre o período em que o fogo pode ser utilizado.
“Esse comando, esse conjunto operacional que foi estabelecido em junho, é muito ativo, tanto no Mato Grosso quanto no Mato Grosso do Sul. Envolve ONGs, bombeiros, Ibama, ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]as Forças Armadas e [também] integração com fazendas”, detalhou.
“[Isso] Tem sido fundamental para conseguirmos controlar vários incêndios florestais. Se não tivesse havido esta organização, esta integração, o incêndio teria sido muito pior”, destacou.
CAUSAS
Além de apoiar o intercâmbio da gestão integrada do fogo, Portugal enviou ao Pantanal o especialista Daniel Santana, do ICNF.
No país europeu, uma das mudanças causadas após o desastre de 2017 foi uma nova política de investigação sobre a origem do incêndio, incluindo mudanças no Judiciário português para julgar casos de incendiários.
Aí, atear fogo em períodos proibidos é punível com pena de prisão em regime fechado.
As técnicas de investigação foram repassadas para serem utilizadas em investigações brasileiras por fiscais do Ibama.
Além disso, será discutida a possibilidade de criação de um acordo entre Brasil e Bolívia para que brigadistas de ambos os países tenham autorização expressa para realizar combates em território estrangeiro.
No caso português, a parceria é com Espanha e existe autorização de entrada até 25 km na zona fronteiriça para evitar a propagação das chamas.
Descobrir
A proposta de colaboração e intercâmbio é melhorar as práticas operacionais, as tecnologias, os modelos organizacionais, os métodos de comunicação de riscos e o envolvimento dos stakeholders (pessoas, grupos ou entidades que tenham interesse ou sejam afetados pelas atividades).
A atual missão foi consolidada a convite do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), no âmbito do memorando de entendimento entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Coordenação Integrada de Combate ao Fogo. Agência de Gestão de Áreas Rurais (Agif), que foi assinada no ano passado.
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