Márcio Yule, coordenador do Prevfogo em Mato Grosso do Sul, falou sobre as ações de combate aos incêndios florestais no Pantanal neste ano
Márcio Ferreira Yule atua na área ambiental do governo federal há mais tempo que a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), órgão ao qual está vinculado atualmente. Já completou 39 anos de atuação, enquanto o órgão federal completou 35 anos.
Por ser um dos principais nomes que lideram as ações do Prevfogo no combate aos incêndios florestais no Pantanal, assim como em outros biomas, recebeu a honra de personificar todos os brigadistas do país e foi chamado de “herói” durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para Corumbá.
“Trabalho no Prevfogo 365 dias por ano. É um trabalho que gosto muito de fazer e faço por amor. E foi isso que eu disse ao presidente Lula, quando ele perguntou o que significa ser brigadista. Nas férias também trabalho no Prevfogo. É um trabalho extremamente gratificante e gratificante”, confidenciou.
Yule é coordenador do Prevfogo no Mato Grosso do Sul desde 1995 e, entre 2013 e 2016, também atuou como superintendente estadual do Ibama.
Apesar de morar em Campo Grande, ele mora em Corumbá desde junho para trabalhar na coordenação de ações de combate aos incêndios florestais no Pantanal.
Entre janeiro e agosto, pouco mais de 10% do bioma foi destruído pelo fogo, houve também a morte de um trabalhador rural de 32 anos e de inúmeros animais silvestres. As chamas também fecharam a BR-262 por praticamente dois dias inteiros, impedindo o acesso terrestre a Corumbá e à Bolívia, no início de agosto.
Nesta entrevista, ele relatou os desafios que existem no combate a incêndios. Ao mesmo tempo, alertou que as alterações climáticas, aliadas a outros factores, estão a exigir que as pessoas compreendam que o uso do fogo precisa de mudar para que tragédias e cenários de guerra como o actual não se repitam.
“Os humanos são responsáveis por 97% das ignições. Se houver um incêndio, alguém o acendeu. Um objetivo maior é conseguirmos consciencializar a população que em determinadas alturas do ano é impossível controlar os incêndios florestais, como é impossível controlar o fogo, é preciso compreender que não se deve provocar incêndios. ”, declarou.
Há quanto tempo você está envolvido em ações de combate a incêndio?
Trabalho no Prevfogo desde 1995. Trabalho há 29 anos. Tenho experiência em combate e comando de operações de combate em outros biomas, na Amazônia, no Xingu, na Bahia, que é a Mata Atlântica, na ilha do Bananal. Trabalhei na coordenação de grandes operações de combate. Já usamos o sistema de comando de incidentes há algum tempo.
Prevfogo foi o primeiro setor dentro do Ibama a utilizar o SCI [ferramenta de gestão de acidentes ou eventos, com combinação de instalações, equipamentos, pessoal, protocolos, procedimentos e comunicações, operando em uma estrutura organizacional comum] para gerenciar esses incidentes.
Você trabalha no combate a incêndios há muito tempo. O que no ano de 2024 criou mais desafios para a condução do combate no Pantanal?
O Pantanal sofreu uma seca que começou em 2019. Todos sabem que o Pantanal tem como característica um regime de seca e enchentes, e isso é fundamental para o bioma. É um fator de existência do bioma. Mas o que nos preocupa, segundo o MAPBiomas, é que a cobertura hídrica no Pantanal foi reduzida.
Na comparação de 1985 com 2021, 2022, há uma redução considerável na cobertura hídrica e isso deixa o solo exposto. Com isso, temos a vegetação que existe no subsolo, o potencial de incêndio subterrâneo, que chamamos de fogo de turfa e é o mais difícil de combater.
É também o que mais se degrada, pois consome toda a matéria orgânica do solo, as raízes das plantas, por isso causa maior degradação e é mais difícil de combater.
Há necessidade de cavar uma vala ou vala para que possamos quebrar a continuidade do combustível subterrâneo.
O acesso às áreas continua complicado, como aconteceu em 2020?
Uma das características do Pantanal é a dificuldade na logística de combate. Vá para a linha de fogo, fique perto da linha de fogo.
O fundamental é o apoio de todas as instituições que estão envolvidas no combate, tanto o governo federal, como o governo estadual, os governos municipais e as ONGs que têm desempenhado um papel fundamental nesta grande operação de combate.
Formamos brigadas voluntárias, e depois temos gente pulverizada no Pantanal, perto das áreas onde o fogo pode ocorrer, com conhecimento, com equipamentos, com EPIs, para que possam agir contra o fogo ainda em seus primórdios .
Com mais brigadas, o tempo de resposta é mais rápido, os recursos necessários são menores e os danos ambientais são menores.
Portanto, a formação de brigadas voluntárias é de extrema importância para que possamos dispersar o Pantanal com pessoas com conhecimento e equipamentos para realizar o combate nas diferentes áreas onde ocorreram incêndios florestais.
Você pode destacar que diferença você percebe entre o que aconteceu em 2020 e este ano?
A diferença entre os incêndios de 2020 e deste ano é que, este ano, no mês de Junho, que normalmente é um mês de actividades de preparação e prevenção, foi um mês em que houve uma ocorrência bastante grande de incêndios florestais.
Nossa Brigada de Pronto-Emprego do Pantanal, aqui em Corumbá, foi contratada no dia 1º de junho, que era um sábado, e desde esse dia estão em luta.
Ainda bem que já tinham os equipamentos, os EPIs e a estrutura do veículo. Neste primeiro momento, o apoio da Marinha do Brasil com embarcações foi fundamental.
Os incêndios começaram aqui perto de Corumbá, mas há necessidade de atravessar o rio Paraguai e a Marinha foi essencial. Temos um acordo de cooperação assinado com eles.
A Marinha também treinou brigadistas, que estão sendo utilizados nesta grande operação de combate que envolve muitas pessoas.
Do governo federal são mais de 800 pessoas envolvidas, grandes recursos com barcos, com aviões, com helicópteros, com aviões de grande porte como o KC 390, que libera 12 mil litros de água por vez.
São cinco tratores aéreos (aviões pequenos) do ICMBio, que o IBAMA está empregando aqui e pagando o contrato.
Temos até quatro helicópteros do Ibama disponíveis. Além dos helicópteros das Forças Armadas que estão sendo utilizados tanto aqui no Mato Grosso do Sul quanto no Mato Grosso. Bombeiros de dois estados. Temos brigadas de seis estados envolvidos nesta grande operação de combate.
Para tentar conter um incêndio, que vai queimar 24 horas, sem parar, como é a rotina de um corpo de bombeiros, como é o plantão?
Temos um documento chamado Plano de Ação de Incidentes, que é executado todos os dias e distribuído às brigadas, onde há algumas recomendações, alguns avisos, para que toda esta atividade seja realizada com extrema segurança, para que não ocorram danos à saúde. ou a vida de todas as pessoas envolvidas.
O fogo continua, mas as pessoas têm limites. Então, a gente tem o apoio das aeronaves, isso tem ajudado bastante.
O brigadista recebe sua alimentação, que é preparada aqui na base da brigada e distribuída em lancheira. Quando pegamos a comida, ela está pronta. Distribuímos isso pelas diversas áreas em que atuamos.
Quando há necessidade de usar helicóptero, fazemos com helicóptero. Quando há embarcação da Marinha do Brasil, essa alimentação é fornecida dentro da embarcação de grande porte, que possui cozinha. Ainda levamos água gelada para o brigadista, graças a doações de algumas instituições, distribuímos bebidas isotônicas.
Há também um relé. O brigadista que trabalha durante o dia é substituído por outra equipe que luta à noite. Temos 24 horas de brigadistas lutando.
Das 270 brigadas só aqui no Ibama, há cerca de 110 na linha de fogo. Temos cinco brigadas indígenas que também estão envolvidas nesta grande operação.
Como foi ser chamado de herói durante a visita presidencial a Corumbá?
Claro que fiquei extremamente orgulhoso, emocionado com o reconhecimento do presidente da república.
Encaminhei, a princípio, para todos os brigadistas envolvidos no combate, de todas as regiões do Brasil.
Tenho amigos bombeiros em todos os biomas, porque o fogo cria um vínculo muito forte que dura o resto da vida.
Foi extremamente gratificante para todos os brigadistas (o elogio). Eles (brigadistas) se reconheceram no discurso do presidente da República, no reconhecimento. Ele (Luiz Inácio Lula da Silva) disse não ter ideia do que se tratava a briga. Viu os brigadistas trabalhando no sobrevôo da Serra da Amolar.
Ele reconheceu o brigadista e falou comigo. Mas é tarefa de todos e ninguém faz nada sozinho para combater os incêndios florestais. Na verdade, nenhuma instituição pode controlar os incêndios florestais. Isso no Brasil e no mundo. O combate a incêndios é difícil em todo o mundo.
O que pode ser usado para resolver o problema dos incêndios, se houver falta de recursos?
Não é um recurso que resolve. É conscientizar para que ninguém ligue a ignição. Após a ignição, há o trabalho de tentar controlar as coisas, tentar extinguir os incêndios que ocorrem. E isso é um trabalho árduo, é um trabalho que não vai acabar este ano.
Não existe fogo zero, a política de fogo zero é até prejudicial, porque se você não conseguir controlar o fogo, você vai ver o acúmulo de material combustível e aí quando ocorrer uma ignição, seja natural ou alguém acender, vai ser difícil para controlar. Tanto a política nacional de manejo integrado do fogo quanto a política estadual (FUM de Mato Grosso do Sul), já estabelecida antes da federal, são fundamentais.
O que você pode comentar sobre o futuro em relação ao uso do fogo?
O Presidente da República assinou aqui a política nacional de gestão integrada do fogo. E é extremamente importante aqui no Pantanal que a gente entenda essa nova realidade. Porque as pessoas falam: ‘eu sempre ateei fogo, sempre controlei o fogo, atirei nos horários corretos e o fogo não saiu do controle’.
Mas isso foi lá atrás, onde as condições eram diferentes. Houve mais área inundada e o fogo parou na área inundada.
Temos que refazer esse entendimento e a política nacional de manejo integrado do fogo e a política estadual, que já está implementada no manejo integrado do fogo, serão fundamentais para esse novo entendimento, esse novo conhecimento e novos métodos e técnicas para que possamos gerenciar isso combustível sempre que possível.
Esta nova realidade exigirá um novo entendimento, mais organização, mais integração não só entre os órgãos de combate, mas também entre as propriedades rurais.
Não adianta minha fazenda ter um sistema de rádio se não consigo me comunicar com meu vizinho.
Esta é a nova realidade que precisamos de sentar e definir com todos os envolvidos.
Perfil
Márcio Ferreira Yule
Graduado em Administração
Servidor público federal desde 1985, e coordenador do Prevfogo no MS desde 1995. Também formado como perito em incêndios florestais, instrutor de brigada do Ibama, com formação no sistema de comando de incidentes 100, 200 e 300 (Introdução, resposta inicial e expansão de incidentes).
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