Representante da União na conciliação no STF que resultou no reconhecimento da terra indígena em Antônio João e na indenização aos agricultores, Eloy Terena falou sobre o momento
Secretário Executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI)Eloy Terena foi o representante do governo federal na audiência de conciliação realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) que resultou na resolução do conflito fundiário em Antônio João, que já durava décadas.
Indígena mato-grossense, o advogado falou sobre a experiência de liderar a mesa de conciliação da União e a importância da resolução desse conflito para a comunidade indígena.
“Poder participar dessa proposta como secretário executivo é um feito inédito. Como indígena, fico emocionado em poder participar desse processo e vivenciar de fato essa conquista, mas tenho consciência de que ainda há muito a ser feito”, afirmou.
Na quarta-feira, o MPI conseguiu um feito histórico que foi a garantia de terras indígenas por meio de indenizações aos agricultores. Como foi fazer parte desse momento?
A nova configuração do governo federal, especialmente com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, está focada na construção do diálogo e de uma articulação mais ampla para que esta questão possa ser resolvida de formas alternativas. Algumas gestões não avançaram justificando justamente que havia entraves jurídicos no Judiciário ou no próprio Legislativo.
O Presidente Lula e a Ministra Sonia Guajajara estão empenhados em resolver esta questão, portanto, justamente diante desses conflitos e do obstáculo jurídico-legislativo que envolve o marco temporal, participar deste processo buscando inovar para garantir o direito ao território tradicional é uma oportunidade histórica .
Vivemos numa democracia consolidada, em que as instituições estão em pleno funcionamento, o que garante esse espaço institucional para divergências e disputas no campo político. E nesse sentido, logo após a votação do Tema 1.031 pelo STF, a reação do Congresso, marcada por certo conservadorismo e contra diversas agendas que afetam diretamente os povos indígenas, aprovou a Lei nº 14.701.
Com isso, o caminho natural para a resolução dos conflitos fundiários que seguiria as teses estabelecidas no julgamento do STF, considerando a possibilidade de indenização pela terra descoberta, passou a ter um complicador a partir da Lei nº 14.701.
Reconhecendo que essas disputas jurídicas levam anos para serem resolvidas e que os mais prejudicados são justamente os povos indígenas, que sem acesso ao território também não conseguem concretizar outras políticas públicas, o caminho da conciliação e da compensação pode ser uma forma de desbloquear alguns casos de conflitos.
Fazer parte desse processo não apenas como advogado ou gestor público do ministério, mas como indígena Terena da Aldeia Taunay Ipegue, em Aquidauana, é motivo de muito orgulho e resultado de uma luta coletiva do meu povo. Com o esforço de minha mãe, Zenir, que sempre me incentivou a estudar e lutar pelos direitos do meu povo, hoje, como secretária executiva do MPI, posso aproveitar essas lições e motivações para continuar lutando pela defesa dos direitos dos povos indígenas. do Brasil.
Nossos esforços no ministério estão voltados para o coletivo, para todas as pessoas e comunidades que passam por esses processos de disputa de terras, que mais do que uma disputa, como diz a lei, incorpora a memória coletiva daquela comunidade.
O caso da Terra Indígena [TI] Ñande Ru Marangatu, por exemplo, é caso de muitas memórias de violência, mortes, violações de direitos básicos, simbolizadas em Marçal de Souza, Neri Kaiowá e tantos outros indígenas que morreram na luta pelo território tradicional.
Portanto, a resolução que tivemos com o STF através da conciliação abrirá espaço para que a comunidade, o Estado e as organizações de apoio comecem a reconstruir essa memória. Sem nunca esquecer estas cicatrizes, construir novas possibilidades de uma boa vida para a comunidade.
Poder participar desta proposta como secretário executivo é um feito inédito e que, mais do que encerrar a questão, destaca o importante papel do Estado brasileiro na formulação e execução de políticas públicas culturalmente adequadas para os povos indígenas no Brasil e, neste caso, para Mato Grosso do Sul.
Como indígena, fico emocionado em poder participar desse processo e vivenciar de fato essa conquista, mas tenho consciência de que ainda há muito a ser feito. Não podemos esquecer que ainda existem muitos povos indígenas que estão em disputa pela garantia do seu direito originário ao território.
A partir de agora, você acredita que outras terras deveriam ter seu processo acelerado através deste mesmo sistema?
A solução adotada refere-se especificamente à TI Ñande Ru Marangatu, devendo cada caso ser analisado em seu respectivo contexto. Nesse sentido, não é possível avançar nas projeções. No caso da TI Ñande Ru Marangatu, o Estado não desistiu de reconhecer a ocupação tradicional da TI, comprometendo-se, por outro lado, com uma solução que visa pôr fim definitivo ao conflito.
Ressalto que a questão fundiária no Brasil é bastante complexa e não existe uma solução simples, rápida e geral. Qualquer proposta de resolução de conflitos fundiários comprometida e responsável deve ser analisada individualmente e deve ser construída uma coordenação entre o governo federal, outros entes federais e as partes envolvidas.
Na verdade, a partir do gabinete de transição, desenhamos a proposta de criação de departamentos de mediação de conflitos no MPI e no Ministério do Desenvolvimento Agrário justamente para construir essas propostas articuladas de resolução de conflitos no âmbito do governo federal.
O MPI acredita que a aprovação do TI em Antônio João pode ser o primeiro passo para tirar Mato Grosso do Sul do mapa dos estados mais violentos contra a comunidade indígena?
Ainda existem grandes desafios em Mato Grosso do Sul na implementação de políticas públicas para os povos indígenas. Numerosas comunidades, especialmente nas áreas retomadas, não têm acesso a água potável e saneamento, alimentação adequada, educação e saúde, entre outros direitos fundamentais, porque não têm direito ao território.
Nesse sentido, concluir o procedimento administrativo de demarcação da TI Ñande Ru Marangatu, anteriormente paralisada por decisão judicial, é um passo muito importante. E é preciso avançar, com urgência, na demarcação de outras terras indígenas no Estado.
Ressalto que a centralidade para a construção de políticas públicas culturalmente adequadas aos povos indígenas no MS é o direito ao território. E, nessa medida, acredito que o resultado da conciliação, que resolve definitivamente a disputa pela TI Ñande Ru Marangatu, contribuirá para ampliar a pacificação em Mato Grosso do Sul e ajudará na construção de políticas públicas para a comunidade, voltadas para garantindo o bem-estar do seu povo. povos.
Qual foi a importância da criação do escritório de crise para defender os direitos do povo Guarani-Kaiowá?
O escritório de crise Guarani-Kaiowá foi criado em 22 de setembro de 2023, pela Portaria GAB/GM/MPI nº 217, para propor ações concretas diante da violação dos direitos humanos do povo Guarani-Kaiowá.
Coordenado pelo Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Terrestres Indígenas do MPI, conta com a participação de representantes do poder público federal, do governo do estado de Mato Grosso do Sul e de comunidades indígenas, com foco em ações prioritárias nas áreas de direitos territoriais , direitos sociais e segurança pública.
Ao longo do seu primeiro ano de existência, o escritório de crise tornou-se um espaço central de coordenação, convergindo esforços e acelerando processos de tomada de decisão com a participação dos povos indígenas. Possibilitando maior aproximação entre os órgãos responsáveis pelas políticas públicas voltadas aos Guarani-Kaiowá, o escritório de crise foi fundamental para alcançar o resultado obtido no STF.
Vários resultados concretos emergiram deste espaço de articulação. Um deles foi o Acordo de Cooperação Técnica entre o MPI e o governo de Mato Grosso do Sul, que está viabilizando a implementação de políticas de gestão territorial e ambiental para os territórios, além de iniciativas sociobioeconômicas para os Guarani-Kaiowá.
Além disso, foram realizadas oficinas com efetivos da Força Nacional de Segurança Pública que atua em territórios indígenas e com agentes de segurança do estado de Mato Grosso do Sul.
Em outras frentes, foi aprovado financiamento para proporcionar acesso à água potável em comunidades com o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul [Focem] e Itaipu Binacional.
Todas estas iniciativas fazem parte dos resultados dos diagnósticos que a equipa do MPI realizou no terreno no âmbito do trabalho do gabinete de crise e da coordenação entre as diversas instituições envolvidas e comprometidas com a causa.
Como está o processo de conciliação em Douradina? Você já tem um plano para uma solução?
O contexto de Douradina é bastante complexo e estamos a envidar todos os esforços para manter a paz na região. Conseguimos nos coordenar com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para manter a presença da Força Nacional justamente para manter a segurança das vidas lá no território, mas sabemos que é preciso construir agendas mais amplas e definitivas.
O MPI, o Ministério Público Federal e a Secretaria da Cidadania têm realizado rodadas de conversas para buscar alternativas ao conflito na região. Essas negociações são acompanhadas por agricultores e lideranças indígenas, mas ainda é cedo para publicar qualquer tipo de cronograma.
Ressalto que os poderes públicos estão comprometidos com a resolução pacífica do conflito e envidam todos os esforços para garantir, além da segurança, condições de vida dignas aos povos indígenas envolvidos neste conflito.
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