O carioca morreu aos 84 anos Armando Freitas Filhoum dos maiores poetas do Brasilvencedor de Prêmio Jabuti e o Afonso Guimarãesdo Biblioteca Nacional. A morte do poeta foi confirmada ao GLOBO pela poetisa Alice Sant’Anna, editora do Freitas Filho em Companhia de Letras.
Freitas Filho dedicou mais de seis décadas à poesia. Ele estreou em 1963 com Word. O autor afirmou ainda que suas maiores obsessões já estavam anunciadas nos títulos dos dois primeiros poemas de seu livro de estreia: ”Body” e ”Home”. A casa da infância, aliás, retornou em sua “trilogia da memória”, composta pelos livros “Dever” (2013), “Lar” (2009) e “Rol” (2016).
Em ”Rol”, a casa da infância aparece em vários poemas que remetem à família do poeta: ”A porta fechada é o pai/A fechadura é a mãe/A chave é o filho, sem cópia”. Outros versos retratam os efeitos do tempo no corpo: ”A face final é delineada no velho/espelho da noite, antes de dormir”. Amarrando as pontas da vida, da infância à velhice, Armando enfrenta seu tema central neste livro: ”a morte/não tem poros”.
Na época, Freitas Filho afirmou que o livro tratava “muito da morte”.
Em 2003, reuniu seu trabalho completo em ”Typewriter”. Ao completar 80 anos, em 2020, lançou “Arremate”, com poemas escritos entre 2013 e 2019. Em 2017, um problema cardíaco levou o poeta à mesa de operação.
— Acho que esse livro pode ser o meu último — disse ele em entrevista à revista ÉPOCA.
Não foi. Em 2022, estreou em outro gênero literário: publicou “Só prosa”. Como o título indica, é uma coleção de textos em prosa. Contudo, a poesia volta a ser um tema recorrente e aparece na figura dos amigos poetas e na visão lírica do mundo, do tempo, da paternidade, das transformações de um Rio de Janeiro íntimo e privado. Neste livro, o poeta criado na Urca olha para trás, relembra a infância no bairro, a tristeza da derrota brasileira no “concreto aparente e bruto” do Maracanã em 1950, ou a efervescência cultural da década de 1970.
— Não consigo ver exatamente uma separação (entre poesia e prosa) — disse ao GLOBO na hora do lançamento. — Um ou outro pode acontecer e quem sabe, talvez um ou outro combinado. Acho que, nos meus textos, a poesia se mistura com a prosa.
“Só prosa” também trouxe confidências. Na década de 1960, durante a ditadura, Freitas Filho passou um longo período recluso, atormentado pela insônia e pelo ódio ao regime militar. “Para enorme tristeza dos meus pais, passei, preso sozinho, dois anos em casa sem sair, escrevendo e lendo tentativas de versos copiados, até altas horas da noite”, escreveu. O isolamento naquela época o colocou em quarentena do coronavírus.
— Naquela época, houve o choque do golpe militar e a necessidade de focar em leituras que me fizessem compreender aqueles dias e que também me preparassem para o meu trabalho como poeta — afirmou em 2022, acrescentando que se sentia “preso em estes dias de vírus e desgoverno”. — Tudo isso reflete em mim.
Na longa carreira de Freitas Filho destacam-se livros como ”À mão livre” (1979), ”Duplo blind” (1997), ”Fio terra” (2000) e ”Raro mar”. (2006). O poeta também foi pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes do Conselho Federal de Cultura, conselheiro do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador da Fundação Biblioteca Nacional, assessor do escritório do presidente da Funarte, onde se aposentou.
O poeta deixa a esposa, Cristina Barros Barreto, e dois filhos, Carlos e Maria.
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