Por Luciana Magalhães e Gabriel Araújo
SÃO PAULO (Reuters) – A companhia aérea de carga e charter Total Linhas Aéreas planeja se tornar a primeira empresa fora da Ásia a adquirir aeronaves da fabricante estatal chinesa Comac, que vem tentando entrar no mercado global de jatos de passageiros dominado por fabricantes ocidentais.
A Total e a Commercial Aircraft Corporation of China estão em negociações há meses, segundo o sócio controlador da companhia aérea brasileira, Paulo Almada, que visitará a Comac em outubro para discutir um possível pedido de até quatro aeronaves C919.
O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que a Total procurou o governo para compartilhar suas intenções de compra, mas não apresentou nenhum plano formal até o momento.
Um acordo poderia fortalecer os laços entre os países no setor de aviação antes da visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil, em novembro. Ainda assim, alguns especialistas expressaram ceticismo em relação ao plano da Total.
“Mesmo que a Total consiga um ótimo negócio para comprar a aeronave, seu histórico de confiabilidade não comprovado e a falta de uma rede de suporte no Brasil fazem dela uma escolha muito arriscada”, disse Carlos Ozores, sócio de aviação da PA Consulting Aviation.
Almada disse que a Total foi forçada a ir além dos fabricantes ocidentais tradicionais, como a Airbus (EPA:) e a Boeing (NYSE:), uma vez que não conseguiram satisfazer a procura de novos aviões devido às restrições da cadeia de abastecimento.
A Embraer (BVMF) tem vagas de produção disponíveis a partir de 2026, mas só trabalha com jatos de passageiros com menos de 150 assentos.
“O setor está a lidar com a escassez de abastecimento, mas a Comac disse-nos que pode entregar a aeronave até março do próximo ano”, disse Almada, que se recusou a partilhar os documentos da negociação, citando um acordo de confidencialidade.
A compra pode representar um “marco importante para a economia brasileira”, pois fortaleceria a relação do país com a China, disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE), que participou de reuniões com a Total.
Mas o Brasil esperaria reciprocidade, acrescentou ele, com um aumento na demanda chinesa por jatos da Embraer.
A Embraer vê a China como um mercado-chave, mas tem lutado para conquistar novos negócios no país desde que fechou uma joint venture em Harbin em 2016.
Após a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim no ano passado, a Embraer chegou a um acordo para converter 20 de suas aeronaves em aviões de carga com um parceiro em Lanzhou, mas as expectativas de vendas de jatos de passageiros para uma companhia aérea chinesa acabaram frustradas.
FINANCIAMENTO, CERTIFICAÇÃO
As conversações entre a Total e a Comac incluem a possibilidade de financiamento de 80% do valor total até 10 ou 12 anos pelo Banco de Desenvolvimento da China, disse Almada, acrescentando que cada C919 custa cerca de 90 milhões de dólares a preço de tabela.
A Comac e o Banco de Desenvolvimento da China não responderam imediatamente aos pedidos de comentários.
A frota atual da Total é composta por turboélices ATR 42-500 e cargueiros Boeing 737-400. O C919 acomoda até 192 pessoas e compete em categoria semelhante ao Boeing 737 e Airbus A320.
Apenas nove C919 estão atualmente em serviço desde que iniciaram as operações comerciais em maio de 2023, todos com companhias aéreas chinesas.
Fora da China, a única companhia aérea a operar um avião Comac é a TransNusa da Indonésia, que opera o jato regional ARJ21, de menor porte, certificado há uma década. A startup da companhia aérea com sede em Brunei, GallopAir, encomendou ARJ21s e C919s.
Este ano, a Comac expandiu seus planos de vendas e produção e está tentando comercializar o C919 fora da China.
Almada disse que a Total utilizará os C919 em voos charter reservados por outras companhias aéreas ao abrigo de um contrato ACMI (aeronave, tripulação, manutenção e seguro), que a indústria utiliza para satisfazer necessidades urgentes ou sazonais.
Pilotos e mecânicos seriam treinados na China pela Comac, disse ele.
Um grande obstáculo para o C919 é o facto de não ter certificação fora da China, especialmente as certificações de referência dos EUA e da União Europeia. A Agência Europeia para a Segurança da Aviação (Easa) está atualmente avaliando o avião.
A Total também procurará certificar aviões chineses no Brasil, disse Almada.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), porém, informou que ainda não foi apresentado o pedido formal de certificação.
(Reportagem de Luciana Magalhães e Gabriel Araujo em São Paulo; reportagem adicional de Lisa Barrington em Seul)
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