O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a julgar na semana passada um assunto delicado para um grupo de aposentados no país. São aqueles que começaram a contribuir para o INSS antes do Plano Real, em 1994, mas só se aposentaram depois de 1999, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou uma reforma previdenciária com regras “transitórias” para essas pessoas.
Na sexta-feira, 20, o STF formou maioria de votos para rejeitar dois recursos que permitem a esses aposentados descartar essas regras de “transição” e aderir à regra chamada “definitiva”, caso entendam que isso será vantajoso. Foi o que ficou conhecido como “revisão vitalícia”, porque poderia, em tese, recalcular benefícios já pagos.
Essa possibilidade levou o governo federal – tanto o governo Bolsonaro quanto o governo Lula – a questionar a mudança perante o STF, argumentando que ela poderia gerar um impacto de até R$ 480 bilhões nas contas públicas. Além disso, o entendimento é que houve mudança de moeda no país, com o Plano Real, e o cálculo poderia gerar distorções.
Entenda os esquemas e aposentados afetados
Mas qual é a diferença entre regimes “transitórios” e “definitivos”? Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, que presidiu a sessão que tratou do assunto este ano e fez um breve resumo do caso, existem, hoje, três grupos de contribuintes do INSS. Devido ao julgamento, porém, apenas um deles será impactado.
Segundo a explicação de Barroso, o primeiro grupo são os que se aposentaram até 28 de novembro de 1999. Esta é a data em que a reforma da Previdência foi sancionada pelo governo FHC. Como já estavam aposentados, para eles nada mudou e não mudará agora. O cálculo da aposentadoria, para esses brasileiros, levou em consideração os 36 maiores salários no período de até 48 meses anteriores à aposentadoria ou falecimento do segurado.
O segundo grupo são pessoas que começaram a contribuir a partir de 29 de novembro de 1999, ou seja, um dia após a sanção da reforma. Esse grupo faz parte da chamada “regra definitiva”, porque ingressou após a implementação das mudanças. Para eles, o acórdão do STF também não tem impacto. A regra aplicada para cálculo do benefício, já sob efeitos da reforma, leva em conta os 80% maiores salários de toda a vida do trabalhador (já sob o real, a nova moeda).
O terceiro grupo está sujeito à chamada “regra de transição”. Essas pessoas começaram a contribuir antes da reforma de 1999, mas não se aposentaram até essa data. Para eles, a regra aplicável é diferente da regra “definitiva”. Contarão a média dos 80% dos maiores salários ao longo da vida do trabalhador, mas excluindo os salários anteriores a julho de 1994, quando o Plano Real foi implementado.
O grupo atingido pelo julgamento, portanto, é aquele que começou a contribuir antes do Plano Real, mas só se aposentou após a aprovação da reforma da Previdência Social de 1999.
Pequeno grupo de beneficiários
Esses aposentados reivindicam prejuízos e querem poder escolher entre a regra “definitiva” e a regra “de transição”. Ou seja, querem poder calcular tendo em conta 80% de todos os salários, incluindo o período anterior ao plano de estabilização monetária.
Advogados e especialistas entendem que apenas um pequeno grupo de aposentados se beneficiaria da chamada “revisão vitalícia”, com a mudança de regimes. Além dessa restrição – tendo começado a contribuir antes do Plano Real e só se aposentando após a reforma de 1999 – os salários no início da carreira são geralmente mais baixos do que no final. A mudança, portanto, para muitas pessoas, não seria benéfica e levaria à queda de renda.
Idas e idas do STF
– Em dezembro de 2022, o STF decidiu que os aposentados afetados poderiam optar pelo que fosse mais vantajoso, o regime “transitório” ou “definitivo”.
– Em março de 2024, porém, o tribunal decidiu anular, por questões processuais, esta decisão, negando que o segurado possa fazer esta escolha. A mudança na composição do Tribunal, com dois novos ministros (Flávio Dino e Cristiano Zanin), contribuiu para a mudança.
– Em setembro de 2024, analisando recursos deste julgamento, o tribunal formou nova maioria para negar esta escolha.
Guerra de números
Os recursos contra o último acórdão foram apresentados pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNTM) e pelo Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev). O Ieprev argumentou que o Supremo foi negligente ao não comentar os efeitos da decisão de março deste ano na decisão tomada em 2022.
A entidade contestou o impacto de R$ 480 bilhões reivindicado pela União para revisão de benefícios. Segundo estudos realizados pelos economistas Thomas Conti, Luciana Yeung e Luciano Timm para o Ieprev, o impacto financeiro mais provável seria de R$ 1,5 bilhão ou, no pior cenário, de R$ 3,1 bilhões.
Em junho, a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou contra os recursos. O órgão argumentou que a decisão favorável aos aposentados, proferida em dezembro de 2022, “ainda não transitou em julgado, portanto não há ameaça à segurança jurídica”.
A AGU citou ainda um estudo mais recente, segundo o qual o custo financeiro da “revisão de vida” seria de R$ 70 bilhões.
A pontuação da votação é de 7 votos a 1 para rejeição dos recursos. Além do relator, o ministro Nunes Marques, os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso votaram pela negação dos recursos.
O único voto favorável aos aposentados foi dado pelo ministro Alexandre de Moraes, que reconheceu que o STF já havia decidido validar a revisão vitalícia. Restam três votos que precisarão ser contabilizados no sistema até o dia 27. Até lá, qualquer ministro pode mudar de posição.
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