Pés descalços, mãos na enxada e um campo inteiro para cuidar. A rotina, comum a muitos trabalhadores rurais no Brasil, faz parte da preparação de um atleta de alto rendimento. Quando Petrúcio Ferreira, bicampeão paralímpico de atletismo, precisa acalmar a mente, é para São José do Brejo do Cruz, no interior da Paraíba, que ele corre. Nas palavras do próprio atleta, é um “combustível”, que ajuda a melhorar a concentração e a ter um bom desempenho nas competições.
“A vida de atleta, mesmo tendo muita gente por perto, acaba sendo uma vida solitária. Isso porque é ele com seus próprios sonhos e pensamentos. [É] É ele quem precisa correr atrás nos dias de treino, que não tem certeza se vai dar certo. Isso acaba exigindo muito da nossa mente. Estar longe da família, longe de casa. Isso exige muito”, afirma Petrúcio. “Quando estou me sentindo muito rápido, volto para a casa dos meus pais, para lembrar um pouco das minhas origens e raízes, para lembrar de onde vim, onde estou e para onde quero chegar.”
Durante muito tempo foi comum associar a imagem de atletas à de máquinas ou super-heróis. Em foco, o físico, os movimentos, a resistência, a força. Nos Jogos de Tóquio, realizados em 2021, ganhou destaque uma dimensão geralmente invisível e mais humana: a da saúde mental. Muito por causa da história de Simone Biles, sete vezes medalhista olímpica dos Estados Unidos, que deixou de disputar cinco finais para cuidar do lado psicológico.
Faltando pouco mais de um mês para o início das Olimpíadas de Paris (26 de julho) e pouco mais de dois meses para as Paraolimpíadas (28 de agosto), os atletas que participarão dessas competições conversaram com o Agência Brasil sobre a importância da preparação mental. As conversas aconteceram no evento de apresentação do Team Petrobras, grupo de atletas patrocinado pela estatal.
Cada um lida com diferentes tipos de pressão. Medalhista de ouro no Rio e em Tóquio, Petrúcio tenta ser o melhor no que faz pela terceira vez consecutiva. “Principalmente na prova dos 100 metros T47, os atletas têm esse parâmetro: quem vai vencer nas grandes competições é o Petrúcio. Chegar ao topo pode ser mais fácil do que ficar lá, pois não tenho parâmetros. O que tenho que superar são meus próprios resultados e eu mesmo durante o treino. Acaba sendo um peso a mais, mas hoje consigo lidar muito bem com isso. Não vou trazer isso como um fardo e uma cobrança”, afirma.
Milena Titoneli
No caso do atleta Taekwondo Milena Titoneli, as preocupações com a saúde mental aumentaram depois da experiência na última Olimpíada, quando foi a quinta melhor na categoria que disputou.
“Em 2021, em Tóquio, tive muitos problemas. Perguntas muito pesadas, psicologicamente falando. Eu tive esgotamento [distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema, causada por excesso de trabalho]. E, desde então, estou em tratamento com psicóloga e treinador [treinador] esporte.”
Milena conta que foi uma fase difícil e que foi atendida por um psiquiatra e tomou remédios, mas que atualmente não precisa. “Foi um período difícil, mas sempre digo que a parte mental é uma das mais importantes. A parte física pode estar 100%, mas se a cabeça não estiver boa não flui. temos que dar importância como atleta e tenho feito o meu trabalho, estou muito melhor do que estava em 2021. E acho que isso vai se refletir no resultado.”
Em Paris, Milena competirá na categoria equipes mistas. Com as experiências acumuladas até agora, ela acredita estar mais preparada para ajudar outros companheiros a evitar os problemas que enfrentou.
“Chego com muita expectativa de trazer o ouro com o time. Minha experiência em Taekwondo posso contribuir, porque os outros atletas são um pouco mais novos que eu. E acho que teremos um bom resultado, porque são atletas muito fortes que vão competir comigo. Estou muito animada. Essa preparação foi muito intensa. Foram três anos sem descanso, buscando esse lugar para chegar a Paris e conseguir o melhor resultado possível”, resume.
Duda Lisboa e Ana Patrícia
O vôlei de praia sempre foi sinônimo de medalha olímpica para o Brasil. Em Tóquio, pela primeira vez na história, nenhuma dupla brasileira conseguiu subir ao pódio. No caso das jogadoras Duda e Ana Patrícia, portanto, a pressão vem da expectativa de retomada da hegemonia no esporte. Ainda mais depois de um ciclo vitorioso. Líderes de classificação em todo o mundo, chegam com moral e, ao mesmo tempo, exigências de resultados.
“Existe um lado bom e um lado ruim. Se hoje somos favoritos é porque atuamos para estar nessa posição. E tem essa coisa da expectativa de todo mundo, pelos resultados que apresentamos. É inegável. Sabemos também que temos um grande potencial para trazer medalha. Assumimos essa responsabilidade e tentamos desviar o foco da pressão. É fazer o nosso trabalho e chegar a Paris bem preparado”, afirma Ana Patrícia.
Um dos aspectos em que os dois têm especial cuidado são as redes sociais, onde ficam mais expostos a críticas e ataques ainda mais agressivos.
“Temos uma psicóloga esportiva que está ao nosso lado e entendemos que esse trabalho é muito importante. Hoje em dia, com a internet, é muito fácil perceber algum tipo de julgamento nas redes sociais. Precisamos trabalhar duro nisso, para ter certeza de quem realmente somos e manter o foco. Eu também faço terapia separadamente. É difícil treinar todos os dias e ter um julgamento completamente diferente. Ninguém conhece a nossa rotina, ninguém sabe o que passamos no dia a dia”, afirma Ana Lisboa.
Guilherme Costa
Pela segunda vez em uma Olimpíada, o nadador Guilherme Costa chega a Paris com uma série de bons resultados recentes. Nos Jogos Pan-Americanos de 2023, conquistou quatro medalhas de ouro. No Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de 2024, ele terminou em quarto lugar nos 400 metros livres.
Guilherme precisará enfrentar pelo menos dois desafios a partir do próximo mês. Além de tentar confirmar a trajetória crescente do esporte, ele precisa planejar muito bem o ritmo intenso das provas. Ele participará de quatro categorias diferentes nas piscinas: 200m, 400m, 800m, 4x200m livre. E uma corrida em águas abertas de 10 quilômetros. O nadador acredita que pode se tornar referência em um esporte que, no Brasil, sempre teve como destaque nadadores de velocidade, como Cesar Cielo, Fernando Scherer e Gustavo Borges.
“Estamos mudando isso. Na seletiva, os principais resultados foram nas provas de mais de meia distância. Além de mim tem o Mafê [Maria Fernanda Costa] e Gabi [Gabrielle Roncatto]. É muito bom ter ótimos resultados em outras provas, porque as crianças começam a querer nadar nessas provas também. E, no futuro, podemos ser muito bons em velocidade, no meio, no fundo. Então, acho que há espaço para todos. É possível ter todos bem”, afirma Guilherme.
A confiança e a tranquilidade com que fala das Olimpíadas também se devem, em grande parte, ao fato de Guilherme sempre valorizar o cuidado com a mente.
“Eu faço preparação mental. Toda semana tenho atendimento psicológico. Me sinto muito bem com essa parte, já venho trabalhando nisso há algum tempo. Então, estou muito acostumado com a pressão das grandes competições”, afirma o nadador.
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