O Corregedor Nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, decidiu investigar os autos de dois processos em tramitação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso após denúncia chegar ao seu gabinete com denúncia que atribui “violação do dever de parcialidade e conduta inadequada” a três juízes ligados ao caso – dois deles já sob investigação por suposto esquema de venda de sentenças na Justiça estadual.
Os juízes citados na denúncia – Marilsen Andrade Addario, Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho – integram a 2ª Turma de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Sebastião de Moraes e João Ferreira já estão afastados de suas funções no Tribunal por suspeita de envolvimento na venda de sentenças. O Estadão procurar contato com magistrados. O espaço está aberto para suas manifestações.
Os dois processos mencionados no documento enviado a Mauro Campbell referem-se à compra e venda da Fazenda Paraíso, de 1.452 mil hectares. A propriedade fica em Luciara, município com cerca de 2 mil habitantes localizado a 1.160 quilômetros da capital Cuiabá.
Segundo o advogado Igor Xavier Homar, que denunciou o caso ao Conselho Nacional de Justiça, o imóvel rural tem “valor agregado muito alto” – R$ 80 milhões – que jamais teria sido quitado.
Campbell determinou que os processos fossem enviados ao CNJ pela Inspetoria Geral de Justiça de Mato Grosso. O ministro também perguntou ao TJ se foi aberta alguma investigação em nível local.
O advogado que processou o CNJ representa uma das partes no processo Fazenda Paraíso. Ele atribui suposto conluio aos três juízes que trabalharam no caso, quebra de imparcialidade e favoritismo indevido de outro advogado que, segundo Igor Homar, atua como ‘lobista de sentença’. Homar pede que seja investigada a conduta dos magistrados e também uma fiscalização nos gabinetes dos três desembargadores de Mato Grosso.
Os juízes Sebastião de Moraes e João Ferreira foram afastados das suas funções no início de agosto, por ordem do então inspetor nacional de justiça, ministro Luís Felipe Salomão, antecessor de Campbell.
A suspeita que recai sobre os dois magistrados aponta para a sua alegada ligação com a venda de penas.
No capítulo Fazenda Paraíso, há dois processos em andamento no TJ. A primeira é uma concessão compulsória – uma medida para que alguém receba o bem prometido no contrato.
Segundo a representação em análise no CNJ, o agricultor Norival Comandolli ajuizou ação contra Evando alegando que ele havia quitado a promessa de compra e venda da propriedade em Luciara. O negócio, fechado em 2001, previa pagamento até o ano seguinte, com 31,1 arrobas.
Segundo o advogado que assinou a representação, Comandolli é um homem multimilionário, dono de inúmeras fazendas e empresas em Santa Catarina e Mato Grosso, conhecido como ‘coronel’. A denúncia diz que ‘coronel’ seria o responsável por suposto desmatamento ilegal.
Consulta ao banco de dados do Ibama mostra que Comandolli é alvo de embargo do órgão ambiental por desmatamento em área de preservação especial (Amazônia Legal) em São Félix do Xingú, no Pará. A área em questão é de 1,7 mil hectares.
Ainda segundo a representação, o ‘coronel’ teria proposto a Evando uma série de acréscimos ao contrato até que a ação de premiação compulsória fosse ajuizada em 2011.
O processo se arrastou por nove anos. O pedido de Comandolli foi negado. O motivo: a defesa de Evando apresentou uma confissão de dívida assinada pelo ‘coronel’, no valor de R$ 600 mil, que indicava que o pagamento não havia sido integralmente efetuado.
A sentença levou Evando a pedir a rescisão do contrato com reintegração de posse, pedido que foi acatado pela Justiça e deixou Comandolli em “cenário de perda iminente do imóvel”.
O caso foi parar na segunda instância, onde a conduta dos desembargadores chamou a atenção do advogado que contatou o CNJ. Segundo Igor Homar, um “caminho diferente do esperado” foi adotado quando outro advogado, Marcelo Souza de Barros – corregedor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso aposentado compulsoriamente pelo CNJ em meio a outro suposto caso que abalou a Corte, chamado de ‘escândalo da Maçonaria’.
A representação classifica Barros como ‘lobista de sentença’. Segundo a representação, ele ‘saltou de pára-quedas’ no processo e “passou a adotar procedimentos confusos, impeditivos, propondo novos incidentes e novos argumentos”.
Quando o caso foi finalmente julgado no Tribunal de Justiça, formou-se um placar de 3 a 1 para Comandolli. Os três desembargadores que poderiam estar na mira do CNJ votaram a favor do agricultor, tendo o relator, juiz presidente do Tribunal, perdido.
O advogado de Evando descreve condutas que, na sua avaliação, teriam sido irregulares: sucessivos pedidos de vista, “silenciamento” de suas alegações orais, determinações dos magistrados que não haviam sido solicitadas por nenhuma das partes, entre outros procedimentos.
A representação tem foco especial na atuação do juiz Sebastião de Moraes, que, segundo o advogado, atuou como ‘dono da causa’. Em um episódio, Moraes teria dito que “não se lembrava do teor de sua decisão e deixou a decisão na palavra de um advogado (Marcelo Barros)”.
Igor Homar sustenta que a decisão do caso “foi baseada nos argumentos utilizados em ctrl+c / ctrl+v dos argumentos” apresentados pelo juiz aposentado compulsoriamente. O documento também aponta para a liquidação integral do contrato – ponto não mencionado por Marcelo Barros – enquanto a ação tratava do pagamento de aproximadamente 88,37% do contrato do Tesouro, diz Igor.
O caso tramita atualmente no Superior Tribunal de Justiça.
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