O livro será lançado na próxima semana, em Brasília e no Rio de Janeiro. 1964 – Fui criança e vivi, da Caravana Grupo Editorial. A publicação traz pontos de vista inéditos sobre a ditadura civil e militar (1964-1985), por meio de relatos de pessoas que eram crianças e adolescentes na época da deposição do governo constitucional de João Goulart.
Os 19 depoimentos reunidos no livro mostram como foram percebidos os atos golpistas e as consequências imediatas e posteriores para as famílias dos jovens de 6 a 14 anos. Há histórias comuns do ambiente doméstico, como as de mães que estocaram alimentos e de pais que ordenaram que as luzes da casa fossem deixadas totalmente apagadas.
Há episódios pitorescos como o lembrado no livro de Luiz Philippe Torelly, hoje arquiteto, cujo pai entrou numa barbearia em Brasília com a intenção de levá-lo embora, apesar de ainda não ter terminado o corte. “O golpe militar de 1964 havia começado. Ao lado do nosso quarteirão, na 408 [Sul], existia uma Central Telefônica do DTUI – Departamento de Telefones Urbanos e Interurbanos. O centro logo foi ocupado por veículos blindados e ninhos de metralhadoras, devido ao seu caráter estratégico”, lembra Torelly no livro para explicar a tensão do pai.
“O livro também traz relatos de pessoas que sofreram os horrores da ditadura, ou que tiveram familiares muito afetados e que passaram por muito sofrimento”, destaca Rita Nardelli, uma das organizadoras da publicação.
A publicação traz depoimento da jornalista Mônica Maria Rebelo Velloso, sobre uma prima perseguida pela repressão e profundamente traumatizada. “Ela foi presa, perdeu o filho que esperava e o companheiro foi morto. Ela conseguiu exilar-se, primeiro no Chile e depois na Suécia. Ela voltou com a anistia e completamente desequilibrada. Depois de algumas tentativas, ela conseguiu tirar a própria vida em uma de suas crises.”
Fogueira e resgate de livro
Mais de uma das declarações publicadas fala sobre o destino de livros que poderiam ser considerados “subversivos”. Há histórias de quem queimou os seus próprios livros para evitar serem rotulados de comunistas, no caso de uma busca domiciliária por parte da polícia ou do Exército, e de quem enganou os militares para salvar as suas obras.
“Não me lembro exatamente em que dia, logo após as demissões, soubemos que soldados do Exército estavam começando a queimar os livros dos professores e da Biblioteca da UnB. [Universidade de Brasíla]. Nossa mãe, Othília, funcionária disciplinada e exemplar, sempre corajosa e disfarçada em situações adversas, pegou seus quatro filhos e alguns lençóis e fomos de carro para a universidade”, lembra no livro Sônia Pompeu, filha do jornalista Pompeu de Sousa , criador do curso de jornalismo da Universidade de Brasília. Segundo Sônia, dona Othilia “conseguiu enganar os militares que cercavam a UnB, alegando que precisava pegar algumas roupas de sua família na lavanderia que prestava serviços aos professores”.
Para o arquiteto Márcio Vianna, outro organizador do 1964 – Fui criança e vivi, os primeiros anos da ditadura acabaram politizando aqueles que ainda estavam na infância ou no início da adolescência e ensinando-lhes sobre perseguições e enganos. Segundo o que Vianna leu e ouviu nos depoimentos recolhidos, as pessoas começaram “a sentir-se esquerdistas desde crianças, pelas coisas que viam, pelo que presenciavam nas suas famílias e pelo que sabiam sobre os problemas do país”.
A memória política do arquiteto estende-se também às aulas de português. “Metáfora… é quando a gente quer falar alguma coisa e não consegue, como agora nesses tempos, e tem que falar a mesma coisa, mas de outra forma, de uma forma poética, e só quem gosta de poesia entende , e… . e quem não consegue saber o que o poeta está dizendo, afinal, nem entende, porque a poesia é uma espécie de código que só entende quem tem a poesia dentro de si”, cita no livro, lembrando do professor, que era um Freira dominicana e “Ele deu exemplos, geralmente usando letras de músicas que dizia serem canções de protesto”.
Serviço
Livro 1964 – Fui criança e vivi (Caravana Grupo Editorial), com depoimentos coletados e organizados por Márcio Vianna e Rita Nardelli.
Lançamento em Brasília: terça-feira (18), na Livraria Sebinho (CLN 406), das 17h às 21h.
Lançamento no Rio: quinta-feira (20), das 17h às 21h, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), centro da cidade.
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