Com apenas um ano e quatro meses de atividade, a atual legislatura da Câmara dos Deputados já registou mais de duas dezenas de incidentes de brigas – físicas e verbais – entre parlamentares durante o exercício da atividade política. Responsáveis por avaliar a punição de colegas por quebra de decoro, os deputados integrantes do Conselho de Ética julgaram 29 representações entre 2023 e 2024 e arquivaram todos os processos, aplicando a pena máxima de censura verbal ou escrita aos deputados infratores. Essa improdutividade levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a criar a suspensão cautelar como novo método de punição.
A suspensão cautelar proposta por Lira e aprovada pela Câmara na última quarta-feira dá ao Conselho de Administração o poder de sugerir a suspensão do mandato dos deputados briguentos no prazo de seis meses, com prazos curtos para o julgamento.
Seguindo o procedimento deste novo recurso, caberá ao Conselho de Ética julgar a decisão do Conselho no prazo de três dias após a comunicação, com possibilidade de recurso no plenário, que apreciará o caso na sessão imediatamente subsequente. São necessários 257 votos para manter a decisão da diretoria, que é formada pelo próprio Lira, pelos dois vice-presidentes e pelos quatro secretários.
O presidente do colegiado, Leur Lomanto Júnior (União Brasil-BA), diz que o Parlamento passa por um “momento grave” diante do grande número de brigas.
“A que ponto estamos chegando, parlamentares brigando em comissões? Vai chegar a um ponto que, em breve, pode acontecer um crime, alguém atirar em um parlamentar”, afirma. Leur acrescenta que a ineficiência ocorre devido a acordos entre as partes feitos nos bastidores. “Não adianta chegar uma representação e depois fazer reuniões entre os partidos A, B e C para chegar a um acordo político e salvar um deputado”.
Os acontecimentos ocorridos no dia 5 de junho deste ano foram o estopim para a ação de Lira. Durante sessão do Conselho de Ética que apresentou representação contra André Janones (Avante-MG), deputados trocaram insultos e ameaças em diversas ocasiões. As cenas foram amplamente compartilhadas nas redes sociais.
TENSÃO
Nesse mesmo dia, em sessão tumultuada na Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luiza Erundina, 89 anos, passou mal ao ler o relatório e precisou ir ao hospital, onde foi internada em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Ela recebeu alta do hospital após três dias.
Poucos minutos depois da comoção, o delegado Éder Mauro (PL-PA), um dos deputados mais briguentos, não aguentou a provocação de um militante de esquerda e o atacou. O deputado deu um empurrão e um de seus assessores deu um tapa no rosto do ativista.
Mesmo depois de se envolver na briga, Janones se sentiu fortalecido. “Uma pergunta? Ainda está autorizado? Se sim, digite: Janones, eu autorizo. O pau vai voltar a comer o gado!”, escreveu o deputado no X (antigo Twitter).
Esse é um assunto que incomoda Lira desde o ano passado. “Não podemos mais continuar presenciando os confrontos quase físicos que vêm ocorrendo na Câmara e que distorcem o ambiente parlamentar”, comentou o presidente da Câmara nesta terça-feira, 13.
No início do ano, ele fez uma repreensão pública ao mau comportamento dos parlamentares, dizendo que palavrões e insultos seriam retirados das taquigrafias. Isto não teve efeito.
As brigas quase sempre ocorrem seja na visita de ministros do governo Lula ou na votação de temas ideológicos caros ao PT ou aos apoiadores de Bolsonaro. Um episódio ocorrido em abril de 2023, com apenas dois meses de atividade legislativa, exemplifica o nível de lutas ao longo do ano. Na Comissão de Segurança Pública, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, foi prestar explicações aos parlamentares de Bolsonaro sobre o 8 de janeiro e uma viagem à Favela da Maré, no Rio de Janeiro. A sessão teve que ser interrompida devido à imensa agitação entre os deputados ao longo da sessão.
Primeiro, Carla Zambelli (PL-SP) foi flagrada xingando. “Toma no cu…”, disse ela ao reclamar de denúncia de um parlamentar do governo. Pouco tempo depois, Gilvan da Federal (PL-ES) provocou e ameaçou a deputada constituinte Raquel Cândido, que visitava a Câmara e acompanhava a sessão. Depois, Márcio Jerry (PCdoB-MA) chamou Gilvan para “sair” para ver se o bolsonarista era um “valentão”. Em outro momento, Lídice da Mata (PSB-BA) se rebelou e passou a reclamar das provocações que recebia dos deputados de Bolsonaro. No meio dessa confusão, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) acusou Jerry de tê-la assediado sexualmente. Jerry negou ter feito isso.
OFENSAS
Em um dos últimos casos dessa mesma sessão, Duarte Júnior (PSB-MA) chamou o general Girão (PL-RN) de “velho”, o que fez Girão atacar o parlamentar maranhense. “Não me chame de velho”, respondeu Girão, com o dedo levantado.
“Os deputados estavam brigando. Tive que encerrar a sessão”, comentou Sanderson (PL-RS), então presidente do colegiado, sobre o ocorrido. Dino saiu e apoiadores de Bolsonaro cantaram o refrão de “fujão”, todos com o celular na mão, gravando.
Os casos de Zambelli e Zanatta foram para o Conselho de Ética – ambos foram arquivados. Ninguém foi punido pelo que aconteceu.
O Conselho de Ética também é utilizado de forma banal pelos partidos. Entre 2023 e 2024, aplicou apenas duas punições aos parlamentares. Ambos praticamente não têm efeito.
Foram punidos Nikolas Ferreira (PL-MG), que recebeu censura por escrito por usar peruca, se identificar como “deputado Nikole” e pregar contra o feminismo, e Abílio Brunini (PL-MT), que recebeu censura verbal por atrapalhar uma reunião audiência pública realizada por petistas em defesa dos palestinos, no confronto contra Israel.
A censura é uma das cinco sanções possíveis aplicáveis pelo Conselho de Ética a um deputado e não tem efeito prático no exercício do mandato do parlamentar. Além disso, a diretoria pode suspender as prerrogativas parlamentares por até seis meses, suspender o mandato do deputado por até seis meses ou cassar o mandato.
PASSAR NO PÉ
Até o momento, o Conselho já recebeu 34 representações, votou pelo arquivamento 29, o partido autor retirou o pedido em duas ocasiões e o presidente rejeitou outra ação. Outros dois casos ainda precisam ser avaliados.
Em alguns casos, a discussão foi banalizada. O PT chegou a fazer representação contra o deputado José Medeiros (PL-MT) por pisar no pé do deputado Miguel Ângelo (PT-MG). Medeiros afirmou que a medida foi acidental.
O vale-tudo continuou nos meses seguintes. Outros casos, como o tapa na cara dado por Washington Quaquá (PT-RJ) a Messias Donato (Republicanos-ES), nem foram parar no Conselho de Ética da Câmara.
A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
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