Com as mãos trêmulas e lágrimas no rosto, Laira Inácio comemorou nas redes sociais a recomendação de incorporação do medicamento betadinutuximabe para tratamento de neuroblastoma de alto risco pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Laira é mãe de Ana Júlia, diagnosticada com a doença aos 7 anos. Depois de passar por exaustivos tratamentos e cirurgias, a menina, hoje com 10 anos, precisou de tratamento com betadinutuximabe, que custaria cerca de R$ 2 milhões. A mãe usou a internet, alugou carros de som e até foi à Justiça. Mas o tempo, segundo a própria Laira, era um inimigo implacável – Ana Júlia faleceu em 2023, antes de ter acesso ao remédio.
“Foi aprovado! O Qarziba [nome comercial do betadinutuximabe] será implementado no SUS. Para que mais crianças não sofram como a minha Ana Júlia e outras crianças. Estou muito emocionada”, disse Laira, em vídeo publicado em seu perfil no Instagram.
Em homenagem à filha, a jovem fundou o Instituto Ana Júlia, com o objetivo de oferecer assistência a crianças com câncer e doenças raras. A entidade, presidida por Laira, também arrecada recursos para a compra de medicamentos considerados vitais para crianças em tratamento contra o câncer. “Estou muito feliz! Hoje é um dia memorável, que mudará a história do neuroblastoma no Brasil”, completou.
A ginecologista e obstetra Carla Franco também comemorou a recomendação de incorporação do betadinutuximabe ao SUS para tratamento de neuroblastoma de alto risco. Em seu perfil no Instagram, ela lembrou que o protocolo da doença no Brasil não era atualizado há dez anos e destacou o alto custo do medicamento.
“O medicamento mais caro usado em oncologia pediátrica finalmente foi incluído no SUS”, postou. Além dos conhecimentos adquiridos como profissional de saúde, Carla tem uma filha com diagnóstico de neuroblastoma. Chamada Linda, a menina, de apenas 4 anos, já passou por sessões de quimioterapia, cirurgia para retirada do tumor e dois autotransplantes de medula óssea.
Nas redes sociais, o médico explicou o que muda a partir de agora, com a recomendação de incorporação do medicamento na rede pública.
“Em tese, os pacientes do SUS que não [uso do betadinutuximabe] eles serão capazes de fazer. E o plano de saúde tem que cobrir, sem [necessidade de recorrer à] Justiça”, destacou o médico.
A própria Carla enfrentou dificuldades para garantir a cobertura medicamentosa através do plano de saúde contratado pela família. Segundo ela, Linda precisava começar a usar o Qarziba no dia 8 de julho. Após contato com a operadora em diversos momentos, o tratamento com o medicamento só começou em agosto. Há uma semana, a menina completou o ciclo de dez dias de administração de betadinutuximabe, recebeu alta e já está em casa.
Em janeiro deste ano, a antropóloga e diretora do Ministério dos Povos Indígenas, Beatriz Matos, lançou um campanha para arrecadar fundos para o tratamento do filho Pedro, de 5 anos, também diagnosticado com neuroblastoma. A família já havia vivido outro drama: o pai de Pedro é o indígena Bruno Pereira, assassinado em 2022.
O menino precisou passar por um transplante de medula óssea. A próxima etapa do tratamento foi o uso de betadinutuximabe. A mobilização em favor da vida de Pedro revelou o drama de famílias como a de Ana Júlia e Linda, além de muitas outras.
O neuroblastoma é o terceiro tipo de câncer mais comum entre crianças, atrás apenas da leucemia e dos tumores cerebrais. É também o tumor sólido extracraniano mais comum entre as crianças, representando entre 8% e 10% de todos os tumores infantis. O aumento do volume abdominal é um dos sintomas da doença. Por esse motivo, o tumor pode ser descoberto a partir de queixas da criança relacionadas a dores no estômago ou mesmo desconforto no peito. Pesquisas mostram que o problema costuma aparecer até os 5 anos e pode afetar até recém-nascidos.
Entender
Nesta quinta-feira (5), a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) recomendou a incorporação do betadinutuximabe para o tratamento do neuroblastoma de alto risco na rede pubiana. Na prática, a decisão significa que o medicamento passará a fazer parte do rol de medicamentos pagos e distribuídos pelo SUS. A condição estabelecida para que o medicamento seja administrado na rede pública é que o paciente tenha sido previamente tratado com quimioterapia e tenha obtido resposta pelo menos parcial, seguida de terapia mieloablativa e transplante de células-tronco.
O pedido de incorporação do betadinutuximabe ao SUS foi apresentado à Conitec em janeiro deste ano pelo fabricante Qarziba, o laboratório Recordati. Na época, a farmacêutica defendeu que o medicamento fosse indicado para pacientes a partir dos 12 meses de idade, que já foram tratados com quimioterapia de indução e que obtiveram resposta pelo menos parcial, seguida de terapia mieloablativa e transplante de células-tronco; e também para pacientes com história de neuroblastoma recidivante ou refratário, com ou sem doença residual.
O laboratório argumentou que o medicamento foi utilizado em estudos clínicos realizados a partir de 2009 em pelo menos 126 centros envolvendo mais de mil pacientes em 18 países. “A imunoterapia anti-GD2, como o Qarziba, não só melhora a sobrevivência, mas também reduz o risco de que todos os tratamentos anteriores a que estes pacientes são submetidos falhem com recidiva”, detalhou Recordati.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do betadinutuximabe em 2021. Na época, o medicamento era recomendado pela autoridade para o tratamento de neuroblastoma de alto risco em pacientes com 12 meses ou mais. Como ainda não havia sido aprovado pela Conitec, o tratamento com o medicamento no país só foi possível por meio da rede privada e, segundo relatos de pacientes e familiares, por meio de muita insistência das operadoras de planos de saúde e de processos de judicialização.
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