O desembargador José Arthur Diniz Borges, da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, apontou em processo que tramita na Justiça Federal do Rio a existência de “um grupo criminoso” na Receita Federal que utiliza acesso privilegiado para iniciar processos disciplinares para “eliminar funcionários públicos insatisfeitos.”
A decisão do juiz, proferida no dia 19 deste mês, vai ao encontro da tese defendida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL) no caso das “rachadinhas”, movido em 2022.
A decisão do magistrado não tem relação com o caso de Flávio, mas corrobora a tese da defesa do senador. Os argumentos dos magistrados foram expostos em um processo em que os auditores fiscais Rafael Sá e Tânia Sá respondem a uma ação de improbidade administrativa.
Os auditores foram acusados de enriquecimento ilícito em processo administrativo conduzido pela Receita Federal. A defesa dos dois argumentou que eles foram vítimas do suposto grupo criminoso.
“Os fatos revelados demonstram a prática persistente de montagem de cartas anônimas, baseadas no acesso imotivado a dados confidenciais de funcionários da Receita Federal, que serviram de base para instauração de processos administrativos”, afirma o juiz na decisão.
O Estadão entrou em contato com a Receita Federal, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Diniz Borges sustenta que “está comprovado que os réus foram vítimas de um grupo criminoso que se utiliza de acesso privilegiado ao sistema da Receita Federal para instaurar astutos processos disciplinares com o objetivo de eliminar funcionários insatisfeitos”.
“A meu ver, os auditores fiscais citados no inquérito especial, incluindo o superintendente da Receita Federal da 7ª Região Fiscal e o chefe da Corregedoria da 7ª Região Fiscal, utilizaram suas senhas funcionais privilegiadas para acessar bancos de dados confidenciais relativos aos réus e realizar intensas pesquisas dias antes do protocolo da carta anônima que deu origem ao processo administrativo”, afirma o juiz.
O juiz Arthur Diniz Borges foi condecorado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022 com a Ordem do Mérito do Ministério da Justiça, homenagem destinada a pessoas que prestaram “serviços notáveis” ao departamento.
Decreto que decorou o magistrado
O magistrado já havia sido recebido pelo ex-presidente no Palácio do Planalto, em Brasília, um ano antes, em 2021, acompanhado do então presidente do Botafogo, Durcesio Mello. Ele foi recebido como consultor do clube carioca.
Em 2023, o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques foi absolvido pelo mesmo magistrado em ação de improbidade por uso indevido de seu cargo para fazer campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.
Diniz Borges concluiu que a conduta de Silvinei Vasques foi regular. O juiz argumentou que as publicações a favor de Bolsonaro foram feitas no perfil pessoal do ex-diretor da PRF e não nos canais oficiais da corporação. Silvinei chegou a pedir votos nas redes sociais às vésperas do segundo turno. O juiz também descartou irregularidades nos elogios feitos ao ex-presidente em entrevistas.
Os argumentos de Flávio Bolsonaro
Em 28 de agosto de 2020, a Receita Federal solicitou ao Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) a abertura de inquérito interno sigiloso para identificar os auditores que realizaram buscas nos dados fiscais de Flávio.
O pedido ocorreu três dias depois de o então presidente Jair Bolsonaro se reunir com os advogados do parlamentar e sugerir uma conversa com o chefe do Fisco para avaliar a investigação que apurou uma possível prática de “craqueamento” no gabinete do filho “01” do presidente .
A análise de um possível vazamento de dados foi uma estratégia de defesa do senador que pretendia descobrir se auditores haviam repassado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) dados fiscais que deram origem à investigação das “rachadinhas” que envolviam ele e o ex-assessor Fabricio Queiroz, revelado pelo Estadão. Na época das supostas ilegalidades, Flávio era deputado estadual no Rio.
A reunião com sugestão de Bolsonaro ocorreu no dia 25 de agosto de 2020 e não estava na agenda oficial do presidente. A transcrição do áudio encontrado pela Polícia Federal revela que, durante a reunião, o então presidente afirmou que a situação da investigação contra Flávio poderia ser “um caso de conversa com o chefe da Receita”.
O então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e o então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, também participaram do encontro.
‘Fui vítima de criminosos’, diz Flávio Bolsonaro
Em vídeo publicado na rede social X (antigo Twitter) no dia 11 de julho deste mês, Flávio negou envolvimento com “Abin Paralela” e afirmou ter sido vítima de criminosos que acessaram ilegalmente seus dados.
A declaração ocorreu depois que a PF apontou ter encontrado um áudio de Bolsonaro com Ramagem sobre um plano para blindar Flávio na investigação das “rachadinhas”.
A gravação é de uma reunião de 2020 e tem mais de uma hora de duração. Faz parte do conjunto de testes da Operação Last Mile.
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