As políticas de prevenção de doenças são mantidas com ações de longo prazo, porém, a Capital teve diversas mudanças de secretaria; houve três administradores durante os dois últimos anos do mandato
O planejamento no setor saúde para prevenção de epidemias e doenças, além da atenção primária, também é realizado por meio de gestão e ações de longo prazo.
Para a mestre em Psicologia da Saúde Gyselle Saddi Tannous, cirurgiã-dentista com especialização em Odontopediatria, em Campo Grande, o financiamento atual para a área da saúde é bastante suficiente, se tivermos uma boa gestão desses recursos para que os investimentos e melhorias cheguem aos usuários .
“A saúde recebe recursos do governo federal, do governo estadual e do município. A gestão destes recursos tripartidos deve ser absolutamente transparente e clara. Acho que a transparência, na implementação do SUS para prevenção e para todos os níveis de atenção, precisa ser amplamente fortalecida”, declarou Gyselle.
Segundo Carlos Alberto Coimbra, gerente administrativo do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS), o planejamento dentro da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) fica inviabilizado se não houver sequência de projetos de gestão nos mandatos municipais.
“Para termos três secretários municipais de saúde em quatro anos de gestão isso inviabiliza qualquer tipo de planejamento. Como é que se tem uma administração de quatro anos dividida com três secretárias? Não é possível fazermos um plano que realmente atenda não só aos idosos, aos idosos, mas também às pessoas com problemas de saúde mental e às pessoas que necessitam de cuidados de média e alta complexidade”, disse.
Carlos Coimbra também concorda com a ideia de Gyselle Tannous de que na capital sul-mato-grossense existem recursos financeiros que, se bem aplicados, possibilitam o planejamento e ações de prevenção na área da saúde.
“Um dos problemas da saúde municipal é a forma como são administrados os recursos disponíveis. Por exemplo, Mato Grosso do Sul, em 2012, arrecadava anualmente R$ 6,8 bilhões em impostos, hoje, MS arrecada R$ 20 bilhões, quase três vezes mais do que arrecadamos em 2012. E a população no Estado só cresceu, em essa comparação, 12, 14%. Quando trazemos também Campo Grande, onde a arrecadação em 2012 girava em torno de R$ 2,5 bilhões anuais em recursos, hoje, a Capital arrecada R$ 5 bilhões”, analisou.
TROCA-TROCA
Em dezembro de 2022, o médico ortopedista José Mauro Pinto de Castro Filho, que chefiou a Sesau por mais de três anos (2019-2022), foi demitido. Ele deixou o cargo de secretário à disposição para mudanças na secretaria quando o ex-prefeito Marquinhos Trad (PSD) deixou a prefeitura para concorrer ao governo de Mato Grosso do Sul.
Em seu lugar foi empossado o ex-vereador de Campo Grande Sandro Trindade Benites (PP), que pediu para deixar o cargo para assumir a Sesau.
Benites deixou a Câmara Municipal da Capital após 703 dias como vereador, num total de 483 dias úteis trabalhados em pouco mais de um ano.
Campo Grande e filho de militar, no ano de sua posse tinha 46 anos. Ocupou cargos como major do Exército Brasileiro, pediatra, nutricionista e toxicologista.
Com o anúncio da nova secretária, a médica Rosana Leite de Melo, que atuou como secretária extraordinária de Combate à Covid-19, no Ministério da Saúde durante a pandemia, assumiu em 2022 a secretária adjunta da Sesau.
Rosana foi professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), cirurgiã de cabeça e pescoço do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) e presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul (CRM-MS), entre 2016 e 2017.
O ex-diretor do HRMS também foi secretário adjunto da Sesau até janeiro deste ano. Em fevereiro, Rosana Melo assumiu o comando da Secretaria, assumindo a titularidade no lugar de Sandro Benites, que voltou a assumir sua cadeira na Câmara Municipal de Campo Grande buscando a reeleição.
Assumiu como secretário adjunto o biólogo Aldecir Dutra de Araújo, que tem pós-graduação em Saúde Pública e Entomologia e foi secretário municipal de Saúde dos municípios de Camapuã, de 2013 a 2016, e de Miranda, de 2020 a 2021.
Araújo também foi responsável pelo serviço de Vigilância em Saúde do município de Ribas do Rio Pardo, entre 2021 e 2022.
PREVENÇÃO
Gyselle Saddi Tannous destaca ainda que, além do controle e das ações da gestão municipal para prevenir surtos de doenças, é necessária a participação da população na prevenção de doenças.
“A prevenção não pode ser feita sem conscientização, sem boa educação, sem alguns tipos de intercâmbio cultural. Estamos vendo o ressurgimento no Brasil de surtos de coqueluche, surtos de sarampo, doenças que já estavam praticamente erradicadas, porque a nossa população, na sua consciência coletiva, se descuidou e começou a entender que essas doenças estavam erradicadas”, afirmou Gyselle.
A especialista em Psicologia da Saúde acrescenta que, devido a esse descuido, algumas doenças ressurgem periodicamente, por falta de vacinação.
“A poliomielite, por exemplo, que foi erradicada no Brasil, corremos o risco de ter a doença no nosso estado, também há uma taxa de vacinação muito baixa no município [Campo Grande]”, disse ele.
Embora o Brasil tenha recebido o certificado de erradicação da poliomielite em 1994, as atuais taxas de vacinação caíram nos últimos anos, principalmente devido à pandemia.
Em alerta contra o vírus que causa a paralisia infantil, o Brasil é considerado um dos oito países sul-americanos que apresentam alto risco de retorno da poliomielite, segundo relatório divulgado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 2021.
No mês passado, o Brasil conseguiu sair da lista de 20 países que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) classificam como de baixa taxa de vacinação infantil.
Porém, Mato Grosso do Sul não acompanhou os avanços do governo federal e conta com diversas vacinas com cobertura abaixo de 95%, meta do MS.
Campo Grande também segue a mesma linha do Estado, com taxas de imunização contra a poliomielite abaixo da meta brasileira, com 87,47% das crianças menores de 1 ano vacinadas contra a doença este ano, segundo informações da Sesau.
Embora as taxas ainda sejam inferiores aos 95% esperados pelo Ministério da Saúde, a vacinação apresentou ligeira recuperação nos últimos dois anos.
A Capital, que tinha 95,43% de cobertura vacinal contra a poliomielite em 2019, registrou queda significativa em 2020, quando apenas 77,74% das crianças foram imunizadas.
Campo Grande apresentou outra queda, em 2021, quando registrou 73,25% de cobertura vacinal contra a doença. A partir de 2022 pôde-se notar um aumento, mas sem atingir a meta proposta pelo Ministério da Saúde.
“Dentro disso, certamente podemos pensar que não depende exclusivamente da gestão. A gestão tem muito a fazer em todos esses sentidos, mas entendo que todos podemos intervir para que tenhamos boas políticas públicas de saúde preventiva dentro da atenção básica, um SUS que possa ser cada vez mais capilar, mais acessível, mais equitativo e universal”, destacou Gyselle.
INTERSETORIALIDADE
Na visão do especialista em saúde, a prevenção de doenças também envolve uma série de inter-relações e políticas públicas, como segurança, educação e área social, entre outras.
“Acho que fortalecer a intersetorialidade é um princípio básico do Sistema Único de Saúde, assim como a regionalização, conhecendo a região onde esse cidadão mora. Quais são as lesões que mais ocorrem lá?” ele perguntou.
Gyselle entende que os sistemas de informação e a coleta de dados podem contribuir para melhorar o conhecimento regional sobre quais áreas a população necessita de mais cuidados de saúde.
“Temos vários sistemas que podem ser utilizados para antecipar e entender as condições determinantes para que esses problemas não ocorram. Então, permeia um avanço tecnológico, um avanço na participação popular, um avanço na intersetorialidade, ou seja, todas as políticas públicas articuladas em prol de uma atenção básica eficiente, para que pudéssemos, de fato, ter transformações que não fossem só por parte dos investimentos dos gestores, mas também dos investimentos da população”.
Descobrir
O último caso de poliomielite no Brasil ocorreu em 1989. Em 2023, o Ministério da Saúde afirmou que não havia circulação do poliovírus selvagem no Brasil desde 1990, devido à intensificação da vacinação.
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