Um dos temas mais demandados pelos eleitores, a segurança pública é um desafio para todos os gestores públicos no Brasil. Portanto, o assunto foi um dos discutidos no debate de ideias Campo Grande que Quero, promovido pelo Correio do Estado no início deste mês, em referência aos 70 anos do jornal e motivado pelas eleições autárquicas deste ano.
Sobre o tema, foi convidado a falar o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS), Douglas Oldegardo Cavaleiro dos Santos.
“Tenho quase três décadas de experiência na área criminal, grande parte dela envolvendo crimes de homicídio. 14 anos atrás [venho] trabalhando com prevenção criminal aqui em Campo Grande e há oito anos atuando no controle externo e proteção difusa da segurança pública aqui no Estado. Mas nesse período passei duas passagens de quatro anos no Conselho Nacional do Ministério Público, na Comissão de Segurança Pública, e tive a oportunidade de conhecer modelos de atuação na segurança pública em todo o Brasil”, disse Oldegardo.
Segundo o procurador, com essa experiência percebeu que existe uma diferença entre política de segurança pública e política de segurança pública.
“Quando falamos de segurança pública, não resolvemos a segurança pública através de políticas de segurança pública. Temos que respeitar as políticas de segurança pública que são executadas pelos órgãos de segurança pública, mas nós, como sociedade – e aqui temos representantes de todos os segmentos da sociedade, irradiando para a sociedade através do nosso mais conceituado veículo de comunicação, dos mais consagrados que temos, para toda a nossa sociedade –, [temos] a possibilidade de discutir uma política de segurança pública”, afirmou o procurador.
“E essa é a grande diferença. Uma política de segurança pública não é monopólio das forças de segurança pública”, acrescentou o especialista em Direito Penal.
Para o procurador, a segurança pública é construída além da Secretaria que trata do tema, mas também em articulação com outras secretarias, como educação e saúde.
“Essa integração entre todos os segmentos sociais, para trabalhar em prol de um ambiente social mais favorável,
é que torna o crime menos favorável à sua ocorrência. E essa é a grande mensagem que gostaria de trazer,
que hoje o MPMS trabalha para proteger a política de segurança pública no Ministério Público, buscando essa integração”,
comentou Oldegardo.
“E fica aqui a mensagem de que isto não passa apenas pelos órgãos públicos, passa também pela sociedade civil organizada, e todos aqueles setores da sociedade civil organizada que queiram aderir estão convidados”, declarou.
Tratamento da alcoolemia como forma de prevenção do feminicídio
Desde março de 2015, quando o Lei Federal nº 13.104, que classificou como feminicídio o assassinato de mulheres motivado por gênero, Mato Grosso do Sul já registrou 323 vítimas desse crime, 71 desses casos em Campo Grande, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
Mato Grosso do Sul está entre as unidades da Federação que mais matam mulheres, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Só neste ano, até junho, foram mortas 19 mulheres, cinco delas na Capital.
Em comparação ao ano passado, os números do Estado aumentaram 90% no mesmo período, já que, de janeiro a junho de 2023, foram 10 vítimas no Estado. Na Capital também houve um ligeiro crescimento, mas não comparado ao Mato Grosso do Sul como um todo.
Por estarmos entre os estados mais perigosos para as mulheres, Campo Grande recebeu a primeira Casa da Mulher Brasileira do país, em fevereiro de 2015, espaço criado pelo governo federal que funciona 24 horas por dia atendendo mulheres vítimas de todo tipo de agressão e oferece todos os serviços necessários, com Polícia Civil, Polícia Científica, Juizado Especial e recepção em casos necessários.
Apesar de todas estas ferramentas, o Estado apenas aumentou o número de vítimas. E é nesse sentido que Douglas Oldegardo, procurador do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS), especialista em Direito Penal, sugere uma abordagem aliada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Para ele, a ampliação do atendimento no SUS voltado para o tratamento do uso excessivo de álcool pode contribuir para que esses números comecem a cair.
“Quando as organizações que administram o nosso sistema de saúde passam a atuar de forma integrada dentro de uma política de segurança pública, temos a oportunidade de identificar os vínculos e a importância dos níveis de álcool como vetor para a prática da violência, especialmente a violência de gênero , crimes de lesões corporais, crimes sexuais, homicídios, que atualmente são mapeados tanto pelo MPMS quanto pela Polícia Civil e pela Polícia Militar, com manchas criminais que facilmente identificamos”, avalia Oldegardo.
“Podemos unir-nos às organizações que gerem o sistema de saúde para, antes de mais, implementar e aumentar os PACs [Centros de Atenção Psicossocial] para o tratamento da dependência de álcool e drogas, bem como a adesão aos centros de saúde da família através do conhecimento profundo que estes centros têm das famílias – porque funcionam dentro destes lares – e da identificação de pontos cruciais de violência que muitas vezes não chegam ao nosso conhecimento , porque as pessoas não revelam isso através de boletins de ocorrência”, propõe o promotor.
Um exemplo da relação entre a violência de gênero e o uso de substâncias psicoativas ocorreu no dia 22 de março, em Campo Grande, quando Renata Andrades de Campos Widal, de 39 anos, foi agredida com socos no rosto, morta com pedras e também teve o pescoço atingido. cortado com serra pelo próprio irmão, de 36 anos, em uma residência no Jardim Centenário onde ambos moravam. Segundo a polícia, o homem é viciado em drogas e estava em tratamento.
No mesmo dia, Dayane Xavier da Silva, de 29 anos, foi esfaqueada na região da virilha por um homem de 38 anos, na Rua 34, no Bairro Nova Campo Grande. A vítima foi levada para a Santa Casa de Campo Grande, mas não sobreviveu aos ferimentos. Segundo testemunhas, a mulher e o menino discutiam enquanto ingeriam bebidas alcoólicas em uma loja de conveniência.
LEI MARIA DA PENHA
No dia 7, a Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340/2006) completou 18 anos de criação.
A legislação foi um marco na política de combate à violência doméstica no Brasil, pois por meio dela as mulheres agressoras passaram a ser presas e julgadas por esse crime.
Dados da série histórica da Sejusp, que começa em 2015, mostram que 2023 foi o ano que registrou o maior número de vítimas de violência doméstica em Mato Grosso do Sul. No período, 22.674 mulheres foram agredidas, 32,64% desse total ocorreram em Campo Grande.
Para o procurador, os gestores deveriam buscar formas de tornar esse tipo de lei cada vez mais desnecessária, e não comemorar sua existência para tentar coibir a criminalidade.
“Eu, em particular, sou uma voz isolada em relação a essas comemorações, porque sabemos que leis como a Lei Maria da Penha são ações ditas legislativas de caráter positivo ou afirmativo, que vêm para corrigir distorções históricas, corrigir distorções sociais , e que não existem para se perpetuarem no tempo”, explicou.
“E a razão de você ter uma lei afirmativa como a Lei Maria da Penha, que vem reforçar uma situação de violência estrutural contra a mulher, é exatamente você impor uma correção de uma situação de violência num determinado momento, num período futuro. . É claro que este futuro é a médio e longo prazo, [mas é] você chega a um ponto em que não precisa mais da lei”, disse Oldegardo.
“Então, comemorar a existência da lei ano após ano é, na verdade, um erro interpretativo. Todos os anos, você tem que se preocupar com a permanência desta lei. Temos que garantir e trabalhar para que esta lei se torne cada vez menos necessária. E este ano temos um aumento de 36% no número de denúncias em relação ao ano passado”, finalizou o procurador.
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