Qualquer pessoa que conheça o governo argentino sabe que o presidente Javier Milei tem um círculo interno minúsculo, quase impenetrável, no qual se baseia para tomar as principais decisões governamentais.
Com o tempo, esse círculo mudou e hoje está integrado, confirmam fontes da Casa Rosada, por apenas duas pessoas: a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, irmã do presidente, e o estrategista Santiago Caputo, que não tem cargo, mas acumula cada vez mais poder no governo argentino.
Nas últimas duas semanas, Karina e Caputo, também conhecido como chefe do grupo Peaky Blinders (em referência à série de TV, pela semelhança entre seu protagonista e o estrategista), expuseram sua guerra interna nas redes sociais, gerando um clima de tensão sobre as consequências negativas que a disputa poderia ter para o governo.
O novo conflito no governo argentino se soma a outro que existe desde o primeiro dia da gestão de Milei, entre o presidente e sua vice, Victoria Villarruel, vista com desconfiança pelo chefe de Estado e por Karina. A relação entre os dois é bastante semelhante à do ex-presidente Alberto Fernández e da sua vice-presidente, Cristina Kirchner.
Praticamente não há diálogo e Milei e Villarruel agem como se não pertencessem ao mesmo governo. Mas há uma diferença crucial: a atual vice-presidente não tem o poder de Cristina, e a única coisa que ela consegue com os seus movimentos contra o presidente é incomodá-lo um pouco. Villaruel é novata na política, claramente tem um projeto próprio – o que explica a desconfiança dos irmãos Milei – e, se depender do presidente, não irá muito longe.
A briga entre o presidente e o vice-presidente está sob controle e não representa nenhuma ameaça para Milei. A disputa entre Karina e Caputo é maior e pode envolver custos mais elevados. Os dois principais assessores do presidente chegaram a trocar farpas por meio de suas redes sociais, nas quais, entre outras coisas, se autodenominavam “soberbos”.
— Os dois estão construindo uma estrutura de poder e o crescimento de Caputo incomoda Karina. A falta de experiência política deste governo torna-se evidente quando os dois principais assessores do presidente não conseguem esconder a tensão interna, expondo assim a fragilidade institucional — comenta o jornalista Julián Alvez, do jornal “El Cronista”, que cobre diariamente os movimentos na Casa Rosada.
Nos últimos meses, Caputo desembarcou com seus colaboradores em órgãos do Estado como a Agência Federal de Inteligência (AFI), a AFIP (Receita Federal local) e a petrolífera estatal YPF, entre outras áreas do governo. Sempre com a aprovação do presidente, o estratega, grande arquitecto da vitória eleitoral de 2023, conseguiu nomear funcionários amigos, e, assim, acesso aos recursos económicos administrados por cada uma das organizações que passou, indirectamente, a controlar.
O caso AFI é um dos mais importantes. Caputo convenceu Milei a aumentar a quantidade de recursos “reservados” (que podem ser gastos sem qualquer controle), iniciativa que deve passar pelo Congresso. O partido do presidente, o Freedom Advances, tem bancadas minoritárias na Câmara e no Senado, o que torna cada votação um desafio. Segundo analistas locais, hoje o resultado da votação do orçamento secreto da AFI é incerto e uma possível derrota enfraqueceria não só Caputo, mas o próprio Milei. Esse panorama acentuou a irritação de Karina, que, na disputa, sempre será a mais protegida pelo presidente.
— O conflito entre Karina e Caputo é preocupante, porque pode abrir portas para uma crise maior. Mostra um governo dividido e profundamente improvisado — explica Juan Negri, da Universidade Di Tella.
A fragilidade institucional do governo Milei, algo que preocupa os analistas desde o início do governo, continua a ser um calcanhar de Aquiles do presidente. O seu governo enfrenta não só dificuldades permanentes num Parlamento controlado por aliados e opositores circunstanciais, mas também dificuldades internas que, num cenário nacional mais complexo, podem ser fatais.
— A economia está mais estável, mas muitos problemas continuam por resolver. Se Milei não conseguir melhorar a situação económica de forma consistente, os problemas poderão aumentar. Nesse caso, um governo dominado por tensões internas seria catastrófico — enfatiza Negri.
O poder de Karina Milei é, garante o jornalista e escritor Juan Luis González, biógrafo não autorizado do presidente, “impossível de contestar”. Os movimentos de Caputo, acrescentou o escritor, “estão fadados ao fracasso”.
— Até a chegada de Caputo, a irmã do presidente estava acostumada a ter empregadas. Com Caputo formou uma parceria de conveniência. Mas com os irmãos Milei é sempre assim, quando alguém cresce, passa a ser visto como uma ameaça e é rapidamente excluído — ressalta González.
O biógrafo do presidente lembra que Milei brigou com um dos poucos amigos que teve nos últimos anos – talvez em vida -, o economista Diego Giacomini, em nome de seu projeto político.
— Karina e Javier são pessoas muito solitárias, com grandes ambições. Para quem observou os seus movimentos nos últimos anos, é impressionante ver como pessoas que eram muito próximas de ambos foram expulsas das estruturas de poder por desconfiança. Ambos são paranóicos — enfatiza González.
O biógrafo do presidente se faz a mesma pergunta que muitos analistas: o que fará o governo de Milei se tiver que enfrentar uma crise mais grave, como tantas que já devastaram a Argentina nas últimas décadas? Uma questão sem resposta, que gera receios crescentes no país.
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