O Parlamento ucraniano aprovou, nesta terça-feira (20), um projeto de lei que proíbe a Igreja Ortodoxa ligada à Rússia, num novo passo na ruptura religiosa, social e institucional com Moscou, dois anos e meio após o início da invasão russa em o país.
A Igreja afetada por esta decisão era anteriormente a mais popular na Ucrânia, um país com uma grande maioria ortodoxa. No entanto, perdeu muitos partidários nos últimos anos, à medida que o sentimento nacionalista ucraniano ganhou força em relação à Rússia.
O processo acelerou-se com a criação, em 2018, de uma Igreja Ortodoxa Ucraniana independente de Moscovo e, posteriormente, com o início da invasão russa da Ucrânia em Fevereiro de 2022, abertamente apoiada pelo Patriarcado de Moscovo.
No total, 265 deputados (dos 450 que compõem o Parlamento) aprovaram o projeto de lei, que proíbe organizações religiosas ligadas à Rússia, incluindo a Igreja Ortodoxa Ucraniana ligada ao Patriarcado de Moscovo.
Para entrar em vigor, o texto deverá ser sancionado pelo presidente Volodimir Zelensky.
“Uma falsa igreja”
Em maio de 2022, a Igreja anunciou que estava a cortar os laços com o Patriarcado de Moscovo, mas o governo ucraniano considera que, na prática, a instituição continua dependente da Rússia.
Em Kiev, vários fiéis rezaram esta terça-feira à porta do Mosteiro das Cavernas, ligado ao Patriarcado de Moscovo e encerrado desde o ano passado.
“Aqui não há política alguma. Apenas viemos e oramos por nossos filhos e entes queridos… Nunca vi nenhum agente da KGB”, disse à AFP Svetlana, uma mulher de 56 anos que preferiu não revelar seu sobrenome.
Por outro lado, o Presidente Zelensky comemorou a votação nas redes sociais, destacando que “uma lei sobre [a] independência espiritual” da Ucrânia.
Segundo o deputado Yaroslav Jelezniak, as paróquias da Igreja terão nove meses para “cortar os laços com a Igreja Ortodoxa Russa”.
“É um ato ilegal que constitui uma violação flagrante dos conceitos fundamentais de liberdade de consciência e de direitos humanos”, reagiu um porta-voz do Patriarcado Russo, Vladimir Legoida, no Telegram.
Um pouco antes, a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, também condenou a iniciativa, afirmando que se trata de uma tentativa de Kiev de “destruir a ortodoxia canónica e verdadeira e colocar no seu lugar uma substituta, uma falsa Igreja”, referindo-se a a Igreja Ortodoxa Ucraniana.
“metástase” do Kremlin
A Igreja ligada à Rússia ainda tem cerca de 9.000 paróquias na Ucrânia, em comparação com entre 8.000 e 9.000 para a Igreja Ortodoxa independente sob Moscovo, de acordo com relatos da imprensa.
A eliminação das freguesias ligadas a Moscovo pode levar meses ou até anos, já que a proibição de cada uma delas terá de ser aprovada pelos tribunais, segundo especialistas ucranianos.
De acordo com uma pesquisa realizada em 2023 pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, 66% dos ucranianos eram a favor da proibição da Igreja ligada à Rússia.
Além disso, 54% dos ucranianos identificaram-se com a Igreja independente e apenas 4% com aquela subordinada ao Patriarcado Russo, segundo uma sondagem realizada pela mesma organização em 2022. No ano anterior, 42% dos entrevistados declararam a sua adesão à Igreja independente e 18% relacionados ao Patriarcado Russo.
“Tudo é política. Não pode haver nada, seja arte, desporto ou mesmo religião, fora da política”, reagiu Igor, um homem de 21 anos, à porta da secção do Mosteiro das Cavernas que pertence à Igreja Ortodoxa Ucraniana e permanece aberta.
“Na verdade, apoio totalmente esta proibição”, acrescentou, acusando a Igreja Ortodoxa Russa de ser um agente do Kremlin que “criou tantas metástases que iremos combatê-la durante décadas”.
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