“Ninguém nunca voltou para a área evacuada. Pelo que eu sei, a Vale adquiriu a maior parte das propriedades lá. Então, é provável que ninguém volte para aquela área”, diz Fernanda Tuna.
Ela é moradora de Macacos, como é popularmente conhecido o bairro de São Sebastião das Águas Claras, um dos destinos turísticos mais procurados do município de Nova Lima (MG).
Em Fevereiro de 2019, quase 300 pessoas foram evacuadas às pressas das suas casas depois de se ter verificado que a barragem B3/B4 da Mina Mar Azul corria risco de ruir.
Na época, havia a promessa de que a devolução às propriedades poderia ocorrer após a conclusão das obras de eliminação da barragem.
Mais de cinco anos depois, a Vale finalmente anunciou a conclusão da obra em maio.
Já se passaram, portanto, três meses desde que a estrutura não apresenta mais riscos.
Porém, Fernanda afirma não ter conhecimento de ninguém que tenha interesse em retornar.
Contactada pela Agência Brasil, a Vale não nega a possibilidade de retorno das famílias à área evacuada.
“A situação está sendo avaliada e orientada individualmente, levando em consideração os detalhes de cada caso, o interesse da família em retornar ou não à sua casa de origem, bem como a situação dessas edificações”, diz nota divulgada pelo empresa mineira.
“Virou uma zona fantasma”, garante Fernanda, que é um dos membros da Comissão Macacos, formada por moradores para pressionar pela participação popular nas decisões que envolvem o processo de reparação.
Mais de cinco anos depois das remoções, as reclamações são diversas.
A área evacuada está localizada dentro da chamada zona de inundação, que corresponde ao perímetro que seria inundado pela lama em caso de rompimento de uma barragem.
Fernanda havia se mudado daquele local dez dias antes do início dos despejos.
Mas o pai ainda morava lá e, de um momento para o outro, teve que deixar tudo para trás e sair de casa, sem aviso prévio.
Segundo estimativas da prefeitura de Nova Lima, Macacos tem cerca de 3 mil moradores. Isso significa que cerca de 10% da população vivia no perímetro evacuado.
A situação também afetou Fernanda de outras formas. A escola onde trabalhava como professora de inglês ficou inacessível e ela ficou sem trabalho.
“A maior parte dos percursos em Macacos atravessam a zona de inundação. Então ninguém entrou e ninguém saiu”, recorda.
A Vale adquiriu diversos imóveis na área evacuada e colocou placas padronizadas alertando que se tratavam de propriedade privada.
“Eles estão fechados. Até a manutenção deles pela Vale tem sido motivo de preocupação. Além desses imóveis na área de inundação, a mineradora comprou vários outros em diferentes localidades de Macacos. E muitos deles têm piscina. Quando nós teve um surto de dengue, houve denúncias de que essas piscinas não estavam recebendo manutenção adequada. A comunidade teve que se deslocar para pressionar a Vale”, diz Fernanda Tuna.
Segundo ela, o movimento da mineradora impactou o mercado imobiliário local.
“A oferta de imóveis para as pessoas morarem diminuiu. Hoje é muito mais difícil encontrar casa para alugar em Macacos.”
Fernanda afirma ainda que a população não se sente segura em retornar à área evacuada porque existem outras barragens no entorno de Macacos.
“Pelas características topográficas, a área do spot B3/B4 é também a área do spot de todas as outras estruturas existentes no entorno de Macacos. Portanto, duvido que alguém volte a morar lá. , essa área seria atingida pela lama”, afirma.
A Vale reconhece que a zona de inundação da B3/B4 coincide com as zonas de inundação das barragens Taquaras, Capão da Serra, B6 e B7 e 5 Mutuca.
Afirma, porém, que todos esses outros foram construídos pelo método downstream, considerado mais seguro.
Fernanda destaca, porém, o alerta que tem sido feito por alguns especialistas.
“Com as mudanças climáticas e os novos volumes de chuva, nunca se sabe a real situação de segurança dessas barragens”.
Uma das vozes que tem chamado a atenção para o assunto é a do engenheiro Júlio César Dutra Grillo, ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Minas Gerais e atualmente membro da organização não governamental Fórum Permanente São Francisco.
Em maio, durante audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que debateu eventos climáticos extremos, ele afirmou que os padrões de segurança das barragens existentes não dão conta da nova realidade, em que chuvas acima de 400, 500 e 600 podem ocorrer. milímetros em um dia.
“Não sabemos qual é o nosso futuro próximo. Ninguém pode colocar a mão no fogo sobre o que acontecerá nos próximos 10 anos. Temos que lembrar que esses eventos extremos se tornaram mais intensos a partir de 2020”, disse ele. , citando como, por exemplo, os temporais em Petrópolis (RJ) em 2022 e no Rio Grande do Sul no início deste ano.
Ele afirmou que existem barragens de mineração que correm o risco de não suportar o peso de chuvas semelhantes.
Remoções
A barragem B3/B4 é uma das 30 estruturas da Vale que precisaram ser eliminadas por determinação legal.
Foi construído pelo método de alteamento a montante, mesmo método associado às grandes tragédias ocorridas em 2015 e 2019.
A primeira delas, com barragem da mineradora Samarco localizada em Mariana (MG), que deixou 19 mortos e impactos em toda a Bacia do Rio Doce.
O outro envolveu uma barragem da Vale em Brumadinho, que ceifou 272 vidas e causou danos a municípios ribeirinhos do rio Paraopeba.
Nas comunidades mais afetadas, a Vale também adotou a modalidade de aquisição de moradia dos moradores. O
As entidades que prestam apoio às vítimas alertam, no entanto, que a aquisição do imóvel não elimina a obrigação de pagar a devida indemnização.
Dias depois desse segundo episódio, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e outros órgãos de controle iniciaram uma ofensiva de fiscalização para evitar tragédias semelhantes.
Após esse pente fino na situação da barragem, diversas estruturas perderam suas declarações de estabilidade, o que exige o desligamento e acionamento automático do nível de emergência 1.
Nos casos classificados como nível 2 ou 3, as mineradoras foram obrigadas a organizar a remoção dos moradores.
Em todo o estado de Minas Gerais, quase mil pessoas tiveram que deixar suas casas.
Em Macacos, a primeira retirada ocorreu em fevereiro de 2019, apenas duas semanas antes do Carnaval, assustando os turistas.
Localizada a 20 quilômetros de Belo Horizonte, a comunidade é um dos destinos turísticos mais procurados da região devido às suas belezas naturais, com um cenário composto por montanhas, nascentes e cachoeiras.
Na ocasião, a prefeitura de Nova Lima lamentou o prejuízo econômico para o município e informou que praticamente 100% das reservas em pousadas foram canceladas, inclusive aquelas localizadas fora do perímetro evacuado.
Pouco mais de um mês depois, a barragem atingiu o nível de emergência 3, o que significa risco iminente de rompimento. Após uma segunda evacuação, foi anunciado que o número de residentes evacuados atingiu mais de 270.
A lei que determinava a eliminação de todas as barragens construídas pelo método a montante também foi aprovada após a tragédia de Brumadinho.
Segundo a Vale, 14 estruturas já foram destruídas.
O descumprimento do prazo original, porém, resultou em multa.
Em algumas estruturas, como B3/B4, o processo tem sido conduzido com equipamentos não tripulados, controlados remotamente em um centro de operações.
A previsão é que as 30 barragens sejam 100% eliminadas até 2035.
Com o anúncio da conclusão da descaracterização da B3/B4, a estrutura deixou de oferecer risco às comunidades e ao meio ambiente.
A Vale, porém, ainda deverá revegetar a área. Segundo a mineradora, esse processo deverá ser concluído no primeiro semestre de 2025.
“Não dá para dizer que foi totalmente destruído porque não foi feito o reflorestamento. Quando olhamos a paisagem ainda parece uma represa”, diz Fernanda.
Acordos
No final de 2022, foi assinado acordo reparatório entre a mineradora, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a prefeitura de Nova Lima.
A Vale foi responsável por um aporte de R$ 380 milhões, que financiaria um programa de transferência de renda para os atingidos, a requalificação do comércio e do turismo e o fortalecimento dos serviços públicos municipais.
Outros acordos também já haviam sido assinados anteriormente, estabelecendo alguns compromissos como a elaboração de cartilhas indicando a localização de todos os focos de inundação nas barragens do entorno e a obrigação de indenizar os danos materiais, econômicos e morais de cada atingido.
A Comissão de Macacos, no entanto, afirma que medidas não foram cumpridas e outras foram apenas parcialmente cumpridas.
“O acordo de 2022 até o momento não foi totalmente executado. Justamente por isso foi criada a Comissão Macacos, que é um coletivo que acompanha a execução das medidas. revitalização do centro de Macacos, o que nunca aconteceu. Vale dizer também que a comunidade não participou da construção desse acordo visando a reparação”, afirma Fernanda.
Ela afirma que turismo ainda não é a mesma coisa e destaca que os acordos tratam principalmente de reparação coletiva, pois as questões individuais foram tratadas caso a caso.
Não houve, por exemplo, nenhum processo de reassentamento colectivo dos residentes da área evacuada.
Cada família teve que fechar um acordo que poderia envolver a compra de outro imóvel ou uma compensação monetária.
A Vale sustenta que o acordo de reparação foi cumprido.
A mineradora afirma ainda ter assinado acordos individuais de indenização com 1,3 mil atingidos, atendendo parâmetros firmados com a Defensoria Pública de Minas Gerais.
Fernanda diz que conseguiu um acordo com a Vale, mas afirma que essa não é a realidade de todos.
“Há pessoas que não foram totalmente compensadas.”
Entre outras reclamações da Comissão de Macacos está a falta de reparação de imóveis que sofreram furtos e danos durante o período em que estiveram desocupados e a classificação de alguns atingidos como “apenas ilhéus”: seriam residentes de uma área localizada fora da zona de inundação, mas que seria inacessível em caso de tragédia.
Os atingidos também criticam a falta de participação da população na construção dos termos de todos os acordos.
“Quando falamos em reparações coletivas, a comunidade não tem palavra nem voz. Só recebemos o documento pronto”, lamenta Fernanda.
Mesmo sem a participação dos atingidos nos acordos, ela afirma que a situação seria melhor se a Vale cumprisse os compromissos assumidos.
“Muita coisa não saiu do papel. Temos um monte de acordos que nunca são cumpridos. E a mineradora nunca é penalizada. Então é muito cansativo, porque ela faz um acordo, se compromete com ele, não cumpri-lo e nada acontece”, acrescenta. .
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