A jovem venezuelana Rosmery Gómez, de 25 anos, está detida no Centro de Formação de Mulheres Processadas “La Crisálida”, em Los Teques, depois de ter sido detida no dia 29, enquanto protestava contra a reeleição de Nicolás Maduro.
Sua mãe, Kegnia, pôde visitá-la na segunda-feira passada e ouviu sua filha descrever uma rotina nada saudável.
Na alimentação, “carne com minhoca” e “arepas com queijo podre”.
O que sobra para beber “é água suja”. Para a mãe, nada disso é justo.
— Eles não são animais. São seres humanos e não é justo que estejam ali simplesmente porque não concordam com algo que não queriam — lamentou Kegnia ao jornal venezuelano El Pitazo, garantindo que a filha protestava pacificamente, inclusive ao lado dos guardas nacionais. A jovem, noticiou o jornal, foi acusada de crimes de terrorismo, incitação ao ódio, resistência à autoridade e perturbação da ordem pública.
Desde que Maduro foi proclamado vencedor das eleições pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, resultado contestado pela oposição, liderada por María Corina Machado, e parte da comunidade internacional, mais de 2.400 pessoas foram detidas durante as manifestações.
No seu último relatório, publicado quinta-feira, a ONG Foro Penal afirmou que 1.406 pessoas foram presas, das quais 185 eram mulheres.
Rosmery é mãe de duas meninas, uma de 6 e outra de 8. Para Kegnia, uma das partes mais difíceis da detenção da filha é não saber explicar às netas o que aconteceu, afirmando que “dói dizer que Não sei se a mãe deles voltará para casa.”
A jovem foi detida com um primo de 18 anos, que foi transferido para o centro de detenção de Yare, no estado venezuelano de Miranda.
Os jovens, segundo o jornal, trabalhavam numa pré-escola.
— Não desejo isso para ninguém. É a pior coisa que pode acontecer conosco como mães, tias, avós ou qualquer familiar — disse Kegnia.
“Eles são inocentes”
A dor e a indignação também são compartilhadas pela mãe do adolescente Adrián (nome fictício), de 16 anos.
Aos prantos, Letícia Torrealba disse ao jornal Voz da América que seu filho, um estudante do ensino médio que se diz inocente, não participou de manifestações contra o regime, mas estava apenas “caminhando” por uma rua da capital Caracas quando foi detido por um grupo de policiais, sem provas.
Situação semelhante ocorreu com a jovem Victória, da mesma idade.
A adolescente, que integra a orquestra sinfônica de sua cidade e sabe tocar quatro instrumentos, foi presa no dia 29, segundo a mãe, Carmen Morrilo, quando “saiu passear” com uma prima.
A última vez que a viu foi na prisão.
A mãe pediu a libertação da filha, que descreveu como “uma menina muito nobre, muito empática, muito humanitária”, e negou qualquer culpa.
Adrián, por sua vez, ficou oito dias sem ver a mãe.
Passou muitas noites acordado na sua cela escura, numa instalação policial, sem ventilação e ao lado de prisioneiros mais velhos.
Duas semanas depois, ele ainda não sabia quem seria seu defensor público ou do que estava sendo acusado.
— Eles são inocentes, não sabem nada disso. É uma coisa absurda — disse Torrealba ao jornal.
Entre os mais de mil presos cadastrados pela ONG Foro Penal, 117 são adolescentes (de acordo com a lei venezuelana, pessoas entre 12 e 17 anos).
Segundo a ONG Victims Monitor, citada pelo jornal La Patilla, dos 23 mortos (o procurador-geral venezuelano, William Saab Tarek, fala em 25), um deles é um adolescente.
Ele foi identificado como Isaías Fuenmayor, 15 anos, baleado durante um protesto em Zulia, no dia 29. Segundo reportagens da imprensa local, ele não participou das manifestações.
O jornal La Patilla também menciona uma adolescente grávida entre os menores detidos.
Segundo o jornal, Mérida, de 16 anos, foi ameaçada por soldados da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), que disseram: “Vamos obrigar você a fazer um aborto! Para que você não tenha filhos terroristas!”
Críticas à detenção de menores
Muitos defensores dos direitos humanos criticaram as acusações contra adolescentes perante tribunais dedicados a lidar exclusivamente com crimes de terrorismo, a recusa de advogados privados ou de confiança, a falta de comunicação com as suas famílias e as transferências para prisões regulares.
— A grande maioria dos 118 ainda está privada de liberdade por crimes como instigação ao ódio e ao terrorismo, apenas alguns foram libertados, incluindo a menina grávida de Mérida. São pessoas de muito baixa renda. A maioria deles foi detida porque estava nas ruas, passando pela manifestação ou protestando pacificamente. Todos foram detidos em massa, inclusive menores e deficientes — explicou o presidente da ONG Foro Penal, Alfredo Romero, ao jornal El Mundo.
O coordenador do CECODAP, organização que atua na promoção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes na Venezuela desde 1984, Carlos Trapani, alertou o jornal La Patilla sobre um “padrão” de criminalização das ações de protesto no país, exigindo a direito de todos os cidadãos, inclusive crianças e adolescentes, de expressarem sua opinião e se manifestarem pacificamente, entre outras coisas.
Destacou também que é dever do Estado garantir esses direitos.
Trapani explicou que, no caso dos adolescentes, o período de comparecimento ao tribunal não deve durar “mais de 24 horas”.
O coordenador da organização descreveu ainda a falta de comunicação como “tratamento cruel e desumano” e lamentou a atribuição de crimes de terrorismo “sem um processo de investigação exaustivo” que o comprove.
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