Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) – Um dos economistas mais conhecidos do país, famoso pela capacidade de se reinventar e manter protagonismo no debate público e influência junto a diferentes governos, o que fez por mais de cinco décadas, Delfim Netto morreu esta Segunda-feira, aos 96 anos, “devido a complicações de saúde”, após uma semana de internamento, informou a sua assessoria de imprensa.
Homem forte na economia durante o regime militar, quando foi ministro de três presidentes e aprovou o Ato Institucional nº 5, marco no endurecimento da ditadura, Delfim também foi assessor informal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua dois primeiros governos.
Ex-embaixador do país em Paris, deputado federal por cinco mandatos, consultor e colunista, Delfim manteve ao longo de sua vida um longo relacionamento com a USP, onde se formou em Economia em 1951, na terceira turma da então Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas e tornou-se professor titular, diretor de pesquisa e membro do conselho universitário.
Em 2012, o economista doou sua biblioteca com mais de 250 mil livros para a universidade.
Delfim nasceu em 1928 na cidade de São Paulo e foi criado no então bairro operário do Cambuci (BVMF:). A mãe era costureira e o pai, falecido quando Delfim era adolescente, era funcionário da empresa municipal de transportes.
No final da década de 1950, já atuando como acadêmico, o economista foi convidado a integrar a equipe de planejamento do governo do Estado de São Paulo. Em 1966, após o golpe militar, assumiu o comando da Secretaria da Fazenda do Estado, iniciando sua vida política.
Com menos de 40 anos, foi nomeado Ministro da Fazenda pelo Presidente Artur da Costa e Silva e permaneceu no cargo no governo seguinte, liderado pelo General Emílio Garrastazu Médici. A sua política económica, de 1967 a 1974, centrou-se principalmente no estímulo ao crescimento através da despesa pública e dos esforços para combater a inflação. Em meio a um ambiente externo favorável, o período acabou ficando conhecido como um “milagre econômico”, com o país crescendo a taxas médias acima de 9%.
Ao deixar o governo, Delfim foi nomeado embaixador em Paris. O economista retornaria a Brasília no governo do general João Figueiredo, último presidente da ditadura, que enfrentou um cenário internacional muito mais adverso.
Primeiro como ministro da Agricultura, depois à frente de uma Secretaria de Planejamento com competências ampliadas, Delfim foi um dos protagonistas da equipe econômica num período marcado por crises, queda do PIB e disparada da inflação, na primeira metade da “década perdida” do década de 1980.
Após a redemocratização, Delfim lançou-se na política parlamentar e abriu uma consultoria. Foi eleito deputado federal cinco vezes consecutivas – primeiro pelo PDS, partido herdeiro de Arena, que apoiava o regime militar, depois pelos seus sucessores PPR e PPB. Posteriormente, foi filiado ao PP e ao PMDB.
Delfim afirmou não se arrepender de ter participado do governo militar e de ter assinado o AI-5, que em dezembro de 1968 suspendeu direitos e garantias políticas como o habeas corpus, reforçou a censura e, em última análise, abriu caminho para a institucionalização da tortura e outras violações dos direitos humanos.
Em entrevista ao programa Roda Viva, em 2019, o economista afirmou que voltaria a assinar o ato. “Não há arrependimento possível por algo sobre o qual você não tem controle”, disse ele.
O economista disse ainda considerar tolas as discussões no então governo Jair Bolsonaro, que negou o golpe de 1964. “Claro que houve um golpe. Sim, houve, porque as disposições constitucionais foram violadas, é por definição.”
Delfim voltou a integrar o governo, desta vez de forma indireta, nos dois primeiros governos de Lula, com quem manteve diálogo constante. Em 2022, anunciou que votaria no petista, que concorreu à Presidência com Bolsonaro.
Delfim foi alvo de busca e apreensão durante a operação Lava Jato, suspeito de ter recebido propina durante as obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Ele negou as acusações, dizendo que recebeu pagamento de uma construtora por uma consultoria e que declarou o dinheiro.
Mesmo tendo sido durante anos colunista dos principais veículos de imprensa, tratando essencialmente de política econômica, Delfim, que tinha pouco uso de tecnologia e escrevia seus textos à máquina de escrever, ganhou destaque nas redes sociais com um vídeo em que defendia o sedentarismo estilo de vida.
“Uma das piores coisas para a sobrevivência é a ginástica”, afirmou o economista, num vídeo mais antigo que gerou muitas visualizações e polémica nos últimos anos. Com aparente ironia, ele argumentou que o coração tem uma vida útil limitada, que seria encurtada pelo exercício físico.
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