A decisão do governo dos Estados Unidos de reconhecer uma vitória da oposição nas eleições presidenciais na Venezuela lança pressão para iniciar negociações sobre uma transição governamental em Caracas, mas não será seguida pelo Brasil.
Cinco dias depois das eleições, sem que o chavismo tenha apresentado provas da suposta e improvável reeleição do ditador Nicolás Maduro, membros do Itamaraty já falam, em conversas privadas, sobre o risco de ressurgimento do regime à la Daniel Ortega, o Ditador da Nicarágua que perseguiu e prendeu opositores e até a Igreja Católica.
É algo a ser evitado, dizem estes diplomatas, e Maduro tem dado sinais de que poderá seguir esse caminho.
“Dadas as evidências esmagadoras, está claro para os Estados Unidos e, mais importante, para o povo venezuelano, que Edmundo González Urrutia obteve a maioria dos votos nas eleições presidenciais de 28 de julho na Venezuela”, disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em um comunicado. na quinta-feira, dia 1º, após a Casa Branca indicar que “a paciência estava se esgotando”.
Num comunicado, o chefe da diplomacia norte-americana afirmou que “embora os países tenham adotado abordagens diferentes na resposta, nenhum deles concluiu que Nicolás Maduro recebeu a maioria dos votos nestas eleições”.
Ele disse ainda que “agora é a hora de as partes venezuelanas iniciarem discussões sobre uma transição respeitosa e pacífica”.
Embora os presidentes Joe Biden e Luiz Inácio Lula da Silva tenham prometido “coordenação estreita” na questão venezuelana, os governos dos Estados Unidos e do Brasil continuarão em linhas diferentes.
A diplomacia brasileira diz que cada país preservou sua liberdade de manifestação e não concordou com uma estratégia vinculada.
Entenda a crise na Venezuela
Os presidentes permanecem e continuarão em contato. Já exigiram conjuntamente a publicação de resultados completos e detalhados por mesa de votação, mas a partir de agora Washington deu um passo mais longe, reconhecendo um resultado – a derrota de Maduro – como legítimo.
O Brasil não. O Palácio do Planalto seguirá a “receita do diálogo”, embora ainda não tenha definido quanto tempo esperar pela ação das autoridades eleitorais venezuelanas – que são chavistas. Ao mesmo tempo, a diplomacia procura manter canais com a oposição.
Na prática, os EUA já apostavam, com o apoio de governos de direita e de centro-direita na América Latina, numa pressão mais forte sobre Maduro, recorrendo a fóruns como a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Mas esta frente foi bloqueada por Brasil, Colômbia e México – este último chegou a falar em “interferência” em assuntos internos, através da organização multilateral das Américas com sede em Washington.
Os três países – governados por aliados de Maduro – divulgaram esta quinta-feira uma nota conjunta, em tom sóbrio, que pede mais uma vez à ditadura de Maduro a necessidade de um escrutínio transparente e rápido, com dados abertos, verificáveis de forma imparcial, para reconhecer qualquer resultado nas eleições venezuelanas.
O governo Lula não esconde a sua insatisfação. O petista “congelou” e ainda não respondeu a um telefonema feito pelo “camarada” Maduro, que anteriormente defendeu contra todas as evidências de autoritarismo.
O risco de agravamento da violência nas ruas – que Maduro chamou de “banho de sangue” e assustou Lula – entrou no radar.
No total, 1.200 pessoas foram detidas e organizações não-governamentais, como o Foro Penal, citam a morte de mais de uma dezena de pessoas. Os líderes da oposição estão a ser acusados de terrorismo interno, de ataque ao sistema eleitoral e de tentativa de golpe de Estado. Maduro ameaça prender Edmundo González e María Corina Machado. Ela afirma estar escondida e escondida.
“As controvérsias relativas ao processo eleitoral devem ser resolvidas através de meios institucionais”, apelaram os governos do Brasil, Colômbia e México. “O princípio fundamental da soberania popular deve ser respeitado através da verificação imparcial dos resultados.”
O governo brasileiro resiste a reconhecer a vitória de Maduro sem base documental. Mas também está relutante em embarcar numa contagem parcial e paralela da oposição, embora os diplomatas reconheçam que o grupo que desafia o regime apresentou mais elementos para apoiar a sua tese do que o próprio Maduro.
O comitê de oposição publicou as atas que conseguiu recolher – e elas indicam uma vitória de Edmundo González. O Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo chavismo, não divulgou nada
Antes mesmo da manifestação de Blinken, diplomatas do governo brasileiro mencionaram que, se até agora a oposição havia trazido ao público elementos mais convincentes, por outro lado, o regime tem o controle da máquina e de todo o aparato repressivo militar e policial, além às milícias – os “coletivos” chavistas. Portanto, tem as armas em mãos para fechar ainda mais rapidamente o regime e fortalecê-lo com mais detenções de opositores e expulsões ao estilo do ditador da Nicarágua Ortega.
A avaliação do governo brasileiro é que a oposição venezuelana entendeu o jogo e tem apoiado o compromisso do Brasil com o diálogo. Os adversários sabiam que competiam sem igualdade de condições e que Maduro tentaria fraude, pois não jogaria para perder, nem aceitaria a derrota.
O próprio ditador propaga que comanda um regime civil-militar-policial, que chama de “união perfeita”, com amplo poder entregue a milhares de generais. E, neste momento, o país vive uma fase economicamente menos desfavorável do que no passado recente.
Quem está no poder há tanto tempo – 25 anos – acumulando privilégios e benefícios num regime autoritário, consideram os embaixadores, só abrirá mão do controlo do país com certas condições e garantias. A referência é aos militares bolivarianos
O presidente colombiano, Gustavo Petro, foi o primeiro a falar em público sobre um acordo que daria proteção aos derrotados – um pacto que seria endossado pelo povo venezuelano, que garantiria a vida e os direitos políticos.
Ele insistiu neste ponto. Embora tenha sido ignorado até agora.
Para o Itamaraty, os acordos nestes termos devem ser negociados entre os próprios líderes venezuelanos – com civis e militares. E o início dessas conversas ainda pode estar muito distante.
A situação evolui a cada momento, com fatos novos, e ninguém se arrisca a dizer quanto tempo durará a crise. Nem quanto tempo Lula está disposto a esperar.
Sem o reconhecimento dos três maiores países da região, Maduro ficou isolado. Também na noite de quinta-feira ele publicou uma mensagem dizendo estar mais uma vez disposto a “dialogar” com os EUA, com base em um acordo discutido no Catar no ano passado.
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