O jornalista americano Evan Gershkovich, que passou mais de um ano preso na Rússia e foi condenado por acusações de espionagem, construiu uma reputação de jornalista versátil determinado a descrever sem rodeios a vida na Rússia, um país transformado pelo conflito na Ucrânia. E apesar dos riscos.
O correspondente do The Wall Street Journal, que já tinha trabalhado para a AFP em Moscovo, foi libertado esta quinta-feira ao lado do seu compatriota Paul Whelan, antigo fuzileiro naval, numa das maiores trocas de prisioneiros entre a Rússia e o Ocidente desde a Guerra Fria, segundo o Presidência turca.
Um total de 26 prisioneiros provenientes dos Estados Unidos, Alemanha, Polónia, Eslovénia, Noruega, Bielorrússia e Rússia beneficiaram da troca “realizada” pela Agência Turca de Inteligência (MIT), refere a mesma fonte.
Até agora, as autoridades norte-americanas não confirmaram a troca, embora esta tenha sido amplamente coberta pelos canais de televisão. O Kremlin não quis comentar.
Gershkovich, de 32 anos, foi condenado em 19 de julho a 16 anos de prisão na Rússia, após um julgamento rápido e fechado.
Foi preso no final de março de 2023 em Yekaterinburg, nos Urais, num caso de gravidade sem precedentes para um jornalista estrangeiro desde o fim da URSS.
Gershkovich foi acusado pelas autoridades russas de “espionagem” por ter recolhido informações sobre uma importante fábrica de tanques russa em nome da CIA.
Tanto Gershkovich como os Estados Unidos, o Wall Street Journal e a sua família e amigos rejeitam as acusações.
Em prisão preventiva na prisão de Lefortovo, em Moscovo, Gershkovich explicou nas suas cartas dos últimos meses que sofria com a monotonia da sua prisão.
Ele também falou sobre como manteve o ânimo, acrescentando toques de humor às suas cartas e mencionando que estava atualizado com os últimos rumores sobre a carreira e a vida amorosa de seus amigos.
Disse ainda que aguardava sua condenação para ser transferido para uma colônia prisional onde teoricamente deveria ter mais atividades e interações sociais, além de poder ver o céu com mais frequência. Em Lefortovo, os presos ficam isolados em suas celas 23 horas por dia.
Durante as audiências, a imprensa pôde filmá-lo por alguns minutos, sem falar com eles, o repórter recebia os jornalistas que conhecia com um sorriso ou fazendo sinal de coração com as mãos.
“Força” e “resiliência”
Em dezembro de 2023, sua família destacou com admiração “sua resiliência e força inabalável” em uma carta aberta publicada pelo The Wall Street Journal.
Ao contrário de muitos jornalistas americanos, que deixaram a Rússia após o início da ofensiva contra a Ucrânia, em fevereiro de 2022, Gershkovich decidiu continuar a trabalhar no país.
Empenhado em descrever como os russos viveram durante o conflito, ele conversou com famílias de soldados mortos, críticos do presidente Vladimir Putin, e examinou os efeitos das sanções na economia russa.
Durante a sua prisão em Yekaterinburg, ele parecia estar a trabalhar em questões sensíveis, como a indústria de armamento e o grupo paramilitar Wagner.
Originário de Nova Jersey, perto de Nova Iorque, destacou-se pelo empenho em escrever sobre a Rússia, o país das suas raízes, e de onde aprendeu as regras e superstições com os seus pais, judeus soviéticos que para lá fugiram na década de 1970.
Formado em Letras (Inglês) e Filosofia, Gershkovich decidiu seguir suas origens e mudar-se para a Rússia.
Em 2017, ele deixou o emprego como assistente editorial no The New York Times para ingressar no Moscow Times, principal veículo de língua inglesa da capital.
Durante cerca de quatro anos, reportou sobre a repressão da oposição, as catástrofes ecológicas, a devastação da Covid-19 e as tradições russas, como a arte da “bania”, a sauna russa que frequentava.
Com um carácter aberto e sociável, Gershkovich sabe “fazer com que todas as suas fontes se sintam confortáveis, pois faz-lhes sempre sentir que se preocupa profundamente com as suas histórias”, Pjotr Sauer, jornalista do diário britânico The Guardian e próximo amigo do repórter americano.
Apaixonado por futebol, ele também mergulhou na história do Sheriff Tiraspol, clube da região separatista pró-russa moldava da Transnístria, que participou da Liga dos Campeões em 2021.
No início de 2022, juntou-se ao prestigiado Wall Street Journal, semanas antes da incursão russa na Ucrânia.
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