Desde que a ação que pedia o fim do orçamento secreto foi ajuizada em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) já atuou pelo menos sete vezes para bloquear a distribuição de recursos públicos por meio de emendas de parlamentares. Em dezembro de 2022, o Tribunal fez com que o mecanismo, revelado pelo Estadão, inconstitucional. Mas a falta de transparência na destinação dos recursos no Orçamento assumiu outras formas e o tema voltou à pauta do STF.
Nesta quinta-feira, 1º, o STF realizará audiência de conciliação entre o governo federal e o Congresso para garantir que os dois Poderes cumpram a decisão judicial de pôr fim ao esquema de envio de recursos da União para Estados e municípios sem transparência.
A audiência é liderada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino. O objetivo é reforçar a exigência de que os Poderes cumpram integralmente a decisão do Tribunal que enterrou o orçamento secreto em dezembro de 2022. Segundo o juiz, os Poderes Executivo e Legislativo estão utilizando outros mecanismos para distribuir recursos sem transparência.
O orçamento secreto, revelado em maio de 2021 por Estadão, consistiu em distribuir emendas parlamentares aos redutos eleitorais de deputados e senadores aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sem conseguir identificar o parlamentar que patrocinou a indicação. Durante seu governo, a prática tornou-se o símbolo da barganha entre o governo e o Legislativo.
A ação que tornou o orçamento secreto inconstitucional foi ajuizada em junho de 2021. Desde então, o STF atuou em sete ocasiões para tentar impedir a barganha entre governo e Congresso. Com o mecanismo com nova roupagem no governo Lula, a Corte já foi provocada e terá novos movimentos relacionados à transparência nas emendas parlamentares.
Rosa Weber pede explicações
A ação que inconstitucionalizou o orçamento secreto foi ajuizada em junho de 2021 pelo PSOL. O partido, que fazia parte da oposição ao governo Bolsonaro, argumentou que a prática deveria ser extinta por violar preceitos fundamentais previstos na Constituição, como a igualdade entre parlamentares.
A relatora da ação foi designada à ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro do ano passado. Seu primeiro movimento foi cobrar explicações de Bolsonaro, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O então ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho também foi questionado pelo juiz. Marinho é senador pelo PL do Rio Grande do Norte e atualmente lidera a oposição ao governo Lula.
O ministro pediu às autoridades que explicassem as finalidades do chamado RP-9, código aprovado no Congresso para identificar as alterações feitas ao Orçamento pelo relator-geral. Nessa modalidade, apesar das indicações para envio de recursos às prefeituras e governos estaduais serem assinadas pelo relator, não era conhecido o verdadeiro parlamentar que destinou os recursos.
Rosa Weber suspende o orçamento secreto
Em 5 de novembro de 2021, cinco meses após o processo chegar ao STF, a relatora Rosa Weber suspendeu os pagamentos de emendas do orçamento secreto. A decisão ocorreu no mesmo dia em que o Estadão revelou a distribuição de R$ 1,2 bilhão aos deputados às vésperas da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios.
Com a medida, o governo federal ficou impedido de distribuir recursos com base em emendas parlamentares vinculadas ao esquema orçamentário secreto até que o STF se pronunciasse sobre o caso. O ministro também ordenou que o Congresso desse ampla publicidade aos verdadeiros padrinhos das emendas.
Relator recua e permite devolução de emendas sem transparência
Um mês depois da liminar que suspendeu o pagamento das emendas do relator, Rosa Weber recuou e liberou os pagamentos do governo federal. O pedido de retomada do mecanismo foi feito por Lira e Pacheco, que argumentaram que o fim dos repasses paralisaria a saúde e a educação, setores essenciais da administração pública nos municípios e estados beneficiados pelas emendas parlamentares.
“Por enquanto, entendo que é aceitável o pedido formulado pelos Presidentes das Casas do Congresso Nacional apenas para afastar a suspensão da execução orçamentária do indicador RP (alínea “c” da decisão cautelar), considerando o risco potencial à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas relacionadas com a saúde e a educação”, afirmou Rosa Weber.
Apesar de liberar o pagamento das emendas do relator, o desembargador manteve a necessidade de o Congresso garantir ampla publicidade às indicações.
Rosa Weber nega prorrogação de prazo para ampla transparência de emendas
Em março de 2022, Weber negou um pedido do Congresso para prorrogar o prazo para dar transparência às nomeações feitas com o orçamento secreto. Na época, o Legislativo disse ao STF que o tempo para reunir as informações foi insuficiente devido à complexidade da determinação do relator.
Em resposta, o ministro afirmou que não existem “motivos legítimos” e “motivos razoáveis” para prorrogar o prazo. “Há nove meses, foram muitas as oportunidades para os órgãos do Poder Legislativo da União prestarem os esclarecimentos solicitados”, afirmou.
STF decide acabar com orçamento secreto por 6 votos a 5
Em 19 de dezembro de 2022, o STF tornou o orçamento secreto inconstitucional por seis votos a cinco. Ao iniciar o julgamento, Rosa Weber disse que o mecanismo funcionava “fora da legalidade”.
“As alterações do relator serviram como expediente para fins patrimoniais de acomodação de interesses de natureza pessoal, permitindo aos parlamentares determinar a destinação da cota ou parcela que lhes pertence na partilha informal do orçamento, sem o ônus de comprovar a relevância dos gastos com as prioridades e metas federais”, afirmou o juiz.
A votação que decidiu pelo fim do orçamento secreto foi dada pelo já aposentado ministro Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça no governo Lula. Lewandowski considerou que o mecanismo aumentou a desigualdade entre os parlamentares, bem como os privilégios dos políticos do governo que poderiam se beneficiar de emendas sem “critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas”.
Dino agenda audiência de conciliação com governo Lula e Congresso
Um ano e meio depois da sentença do STF, Flávio Dino convocou uma audiência para exigir que o governo Lula e o Congresso abolissem definitivamente o orçamento secreto. Por ocupar a vaga deixada por Rosa Weber, Dino é o relator das ações que envolvem emendas parlamentares sem transparência.
Ao propor a audiência de conciliação, Dino afirmou que os poderes não comprovaram “completamente” o fim do orçamento secreto. Segundo o ministro, a distribuição de recursos parlamentares sem transparência continuou a ocorrer durante o governo Lula, mas com “embalagens” diferentes daquelas utilizadas durante o governo Bolsonaro.
Além de Dino, participam da audiência o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, o procurador-geral da União (AGU), Jorge Messias, e o dirigentes de escritórios de advocacia da Câmara e do Senado, além do advogado do PSOL.
STF começa a analisar a inconstitucionalidade das ‘Emendas Pix’
Nesta quarta-feira, 31, Dino se tornou relator de uma ação movida pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contra as chamadas “Emendas Pix”. Anteriormente, o processo estava sendo relatado pelo ministro Gilmar Mendes, que pediu ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, que reavaliasse a distribuição dos arquivos.
Assim como a RP-9, as “Emendas Pix” são emendas parlamentares individuais que permitem a transferência direta de recursos públicos sem transparência. Na petição, a Abraji argumenta que os repasses não podem ser feitos sem estarem vinculados a um projeto ou atividade específica.
“O Estado de Direito não pode admitir transferências sem finalidade definida e sem critérios definidos, pois representa arbitrariedade inconstitucional”, argumentou a Abraji na ação ajuizada em 25 de julho. A associação também pediu a Dino que suspendesse o pagamento das emendas até o final do julgamento do STF.
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