Questões fundiárias têm impacto em setores como agricultura e pecuária, silvicultura e energia, conclui consultoria; opinião deve ser usada em disputa bilionária pelo Eldorado
Operações envolvendo área significativa de terras adquiridas por empresas estrangeiras não são contabilizadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), mostra levantamento feito pela LCA Consultoria Econômica para embasar a disputa bilionária entre Paper Excellence e J&F , de propriedade dos irmãos Batista, da Eldorado Celulose.
O estudo compila dados do banco de dados independente Land Matrix, financiado pela Comissão Europeia, para mostrar que os estrangeiros possuem 3,33 milhões de hectares no Brasil – cerca de 15% a mais do que está registrado no Incra. A base do SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural), disponibilizada pelo órgão federal, contabiliza 2,8 milhões de hectares de terras rurais de propriedade de estrangeiros.
A Land Matrix registra transações com 200 ou mais hectares de pessoas jurídicas ao redor do mundo e monitora a compra de terras brasileiras por estrangeiros desde 2000. A base do Incra, por sua vez, registra terras de todos os portes, pertencentes a pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. O segundo deve ser superior ao primeiro, e não o contrário.
“Daí resulta que muitas operações não passaram pelo Incra”, afirma o coordenador do parecer, economista Bernardo Gouthier Macedo, consultor da LCA desde a sua fundação, em 1995.
Ao consultar investidores em terras no Brasil, a Land Matrix identificou que todos os 123 negócios computados ao longo de 23 anos investiram em terras para atender atividades produtivas específicas, com ênfase na produção florestal.
“Não entramos em polêmicas políticas ou societárias, mas, com base em dados diversos, tratamos dos possíveis impactos das discussões no ambiente de negócios envolvendo terras”, explica.
Em todas as informações coletadas fica claro, por exemplo, que o controle acionário é um elemento importante nos negócios fechados por estrangeiros no Brasil. Levantamento da TTR Data, plataforma que mapeia fusões e aquisições, mostra que foram realizadas 737 operações envolvendo estrangeiros de 2010 a 2023. Em 535 delas, o equivalente a 72,6%, estrangeiros assumiram o controle das empresas.
Nos setores que dependem do uso do solo, como a agricultura e pecuária, a silvicultura ou mesmo a energia, para a instalação de parques eólicos ou solares, a questão fundiária também tem peso. No mesmo período, foram realizadas 241 transações nestas áreas de negócio, das quais em quase metade, 49%, os terrenos eram essenciais para atividades operacionais, seja por via de propriedade ou de arrendamento.
A propriedade da terra, porém, é um elemento muito mais relevante nas transações que envolvem o agronegócio no sentido mais tradicional do termo: plantio e colheita. O controle da terra nas atividades associadas à indústria tem menos peso.
De acordo com a Land Matrix, de 2010 até agora, foram negociados quase 1,9 milhões de hectares em 79 operações em cinco sectores: agricultura, pecuária e serviços relacionados, produção florestal, energia, extracção de minerais metálicos e extracção de minerais não metálicos.
Neste grupo, 18 operações agrícolas e atividades relacionadas ocuparam 75,8% das terras. A produção florestal, responsável por 37 negócios -praticamente o dobro-, respondeu por 15% do total de terras comercializadas. Isto é um sinal de que os sectores industriais que dependem da terra podem estar a realizar o chamado planeamento territorial – procurando alternativas à lei para obter insumos.
O parecer destaca ainda que muitos países adotam medidas para proteger a soberania nacional, mas com equilíbrio, porque também estão interessados em atrair investimento estrangeiro e nos seus efeitos benéficos no crescimento económico e na criação de emprego.
Os dados recolhidos pela LCA mostram que, no ano passado, as culturas e a pecuária para a indústria alimentar e produção de biocombustíveis, a produção florestal para o fabrico de papel e celulose, a geração de electricidade a partir de fontes eólica e solar, a indústria extractiva mineral Os materiais metálicos e não metálicos em conjunto representaram 56% da arrecadação nacional de ITR (Imposto Territorial Territorial Rural).
Segundo o parecer, o investimento direto de estrangeiros nestes setores ocorre principalmente devido a uma posição de controlo: 89% das empresas que recebem investimento estrangeiro têm 50% ou mais do seu capital nas mãos de estrangeiros.
As empresas investidas por estrangeiros também empregaram cerca de 3 milhões de trabalhadores em 2020. Atualmente, 43% dos trabalhadores do setor energético estão em empresas com capital estrangeiro.
Macedo defende que é preciso ter cuidado na troca de farpas legais em um negócio do porte da Eldorado para não afetar esse ambiente de negócios.
“O Brasil não tem condições de desprezar investimentos e o assunto é delicado nesse aspecto. Uma coisa é discutir o papel do capital estrangeiro na economia, outra é usar esse tema como arma em um litígio privado, que pode ir além, comprometendo negócios já estabelecidos ou inibindo novos fluxos de capital estrangeiro”.
PARECER SERÁ APRESENTADO PELA PAPER EXCELLENCE, EM DISPUTA COM J&F
O estudo da ACV está sendo preparado para ser apresentado pela Paper Excellence, do empresário indonésio Jackson Widjaja, como um parecer sobre os efeitos econômicos da aplicação de leis que regem a compra e arrendamento de terras rurais por estrangeiros no Brasil.
A autuação será utilizada na nova rodada de disputas judiciais dentro da disputa com a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, pelo controle da Eldorado Brasil Celulose.
Paper e J&F negociaram o controle da Eldorado em 2017, mas os vendedores questionam o processo e até hoje a compra não foi concretizada. O negócio está avaliado em R$ 15 bilhões.
No atual estágio de disputas, Paper é questionado em diversas frentes por não ter submetido o negócio à análise do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Segundo o órgão, a Eldorado possui cerca de 14,5 mil hectares de terras rurais, além de 400 mil hectares arrendados. Nesta terça-feira (30), o caso será julgado no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
No Incra, o processo contra a Paper foi desencadeado por uma denúncia anônima. A empresa já apresentou dois pareceres jurídicos, um da jurista Ellen Gracie, primeira mulher a ingressar no Supremo Tribunal Federal, e outro do ex-procurador-geral da União Luis Inácio Adams.
Ao avaliar as exposições, no final de junho, o Incra entendeu que o procedimento de compra e venda da Eldorado, por estar em discussão jurídica, ainda não havia sido concluído, e sugeriu que o processo fosse encaminhado à Procuradoria Federal Especializada para apreciação sobre os aspectos jurídicos dos pareceres. Em resposta, o recurso foi negado.
O parecer económico da LCA não foi apresentado no julgamento desta terça-feira. No estágio atual, o TRF-4 não julga o mérito da questão. Avalia a utilização de ação popular como instrumento para suspender a venda da Eldorado.
A ação foi apresentada pelo ex-prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, mas rejeitada em primeira instância. A juíza Heloisa Menegotto Pozenato, da 2ª Vara Federal da cidade, entendeu que uma ação popular não seria adequada para resolver o tema. Ela nem julgou o mérito. Houve recurso, que foi acatado pelo desembargador Rogério Favreto. Agora, a validade deste instrumento será avaliada pelos demais juízes.
Procurado pela reportagem para comentar a conclusão do parecer, o Incra destacou a diferença entre registro e registro. Afirmou que trabalha com registro territorial de imóveis em sua base de dados, e que o registro é de responsabilidade dos cartórios de registro de imóveis. Os números cadastrados no órgão são resultado do fluxo de processos que chegam à autoridade.
A reportagem entrou em contato com a J&F para comentar a disputa, mas a empresa não se pronunciou até a publicação deste texto.
CONHEÇA AS REGRAS EM VIGOR
Parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), de agosto de 2010, resgatou os princípios da lei 5.709/71, que determina:
– as empresas estrangeiras, bem como as empresas brasileiras sob controle estrangeiro que pretendam adquirir, alugar, arrendar ou celebrar acordos de parceria com terras rurais, deverão apresentar projeto de exploração e solicitar autorização ao Incra para realizar tais operações
– caso a propriedade possua mais de 100 MEIs (Módulos de Exploração Indefinidos, que não têm valor fixo e variam de acordo com a área do município), a operação também deverá ser aprovada pelo Congresso
– os imóveis rurais controlados por estrangeiros não poderão ultrapassar 25% do território municipal e, quando se tratar de mesma nacionalidade, o limite ficará restrito a 10% do território do município
*Informações da Folhapress
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