Verificação imparcial, recontagem de votos, fraude: a reeleição do presidente Nicolás Maduro provoca agitação dentro e fora da Venezuela, com apelos à transparência por parte de vários líderes mundiais após uma eleição que a oposição afirma ter vencido.
As ruas de Caracas amanheceram desertas, num ambiente quase fúnebre. Algumas empresas permaneceram fechadas e os manifestantes bateram panelas em protesto nas ruas e edifícios.
A autoridade eleitoral venezuelana proclamou oficialmente, nesta segunda-feira (29), Maduro como o vencedor das eleições de domingo.
“Os venezuelanos manifestaram a sua vontade absoluta ao eleger Nicolás Maduro Moros como presidente da República Bolivariana da Venezuela para o período 2025-2031”, afirmou o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso.
Entretanto, cresce a incerteza sobre os próximos passos que a oposição, liderada por María Corina Machado, e o seu candidato, Edmundo González, tomarão.
Antes do anúncio da CNE, com um viés governamental, vários países reagiram aos resultados.
Os Estados Unidos, que foram fundamentais no processo que levou às eleições, e os vizinhos Brasil e Colômbia, os três países que mais receberam migrantes venezuelanos, questionaram os resultados que deram a Maduro um terceiro mandato de seis anos com 51% dos votos , contra 44% de González, segundo a CNE.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, expressou “séria preocupação” com o resultado, apelando a uma contagem “justa e transparente”.
Brasília reafirmou “o princípio fundamental da soberania popular, a ser observado através da verificação imparcial dos resultados” da votação e garantiu que “acompanha atentamente o processo de apuração”.
O governo de Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda na história da Colômbia e aliado de Maduro, apelou à “contagem completa dos votos, à sua verificação e auditoria independente”.
O presidente chileno, Gabriel Boric, por sua vez, afirmou que os resultados são “difíceis de acreditar”.
França, Espanha e União Europeia pediram “total transparência” sobre o processo. E os governos da Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai exigiram esta segunda-feira uma “revisão completa dos resultados”.
Além disso, anunciaram que solicitarão uma reunião urgente do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) para emitir uma resolução que salvaguarde a vontade popular.
Enquanto isso, China, Rússia, Cuba, Nicarágua, Honduras e Bolívia parabenizaram Maduro.
“Não é o resultado ideal para Maduro”, disse à AFP Rebecca Hanson, professora do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida. “Em termos de ganhar alguma legitimidade internacional, que era um objetivo de Maduro, estas eleições foram um desastre”.
“Paz e respeito”
No poder desde 2013, Maduro tem a perspectiva de permanecer na presidência por 18 anos, até 2031. Somente o ditador Juan Vicente Gómez terá governado mais tempo que ele, durante 27 anos (1908-1935).
“Haverá paz, estabilidade e justiça. Paz e respeito pela lei”, disse Maduro após o anúncio dos resultados, diante de centenas de seguidores no palácio presidencial em Miraflores.
A oposição venezuelana, que tentava pôr fim a 25 anos de chavismo, denunciou a fraude na votação e declarou-se vitoriosa, com 70% dos votos, contra 30% de Maduro.
“Violaram todas as regras”, declarou González, representante da carismática e popular líder da oposição María Corina Machado, impedida de concorrer à presidência por desqualificação política.
“Isso não é mais uma fraude, isso é ignorar e violar grosseiramente a vontade popular”, disse Machado.
A maioria das sondagens favoreceu a oposição, depois de anos de uma crise que encolheu o Produto Interno Bruto (PIB) em 80% e forçou mais de sete milhões de pessoas ao êxodo, segundo dados da ONU.
Maduro descreveu esta eleição como uma encruzilhada entre “paz ou guerra” e alertou que uma vitória da oposição poderia levar a um “banho de sangue”.
“Tirania vence”
“Não foi o que esperávamos”, disse à AFP Veruska Donado, uma enfermeira de 34 anos. “Esperávamos que pelo menos houvesse uma mudança, mas a tirania sempre vence e a trapaça sempre vence. Sei que a única saída é ir embora”, acrescentou ela.
Freddy Polanco, um chef de 54 anos, classificou o resultado como uma “farsa”. “Queremos que nos mudemos para a Venezuela, que a nossa família regresse à Venezuela, que as grandes empresas regressem ao nosso país”.
A oposição apontou irregularidades na investigação. Primeiro, porque seus fiscais foram impedidos de acessar os centros de votação para acompanhar o processo e, segundo, porque não conseguiram obter cópias das atas emitidas pelas urnas. Por lei, esse é um direito das partes e serve para comparar com o resultado oficial.
Também relataram a prisão de cerca de 150 pessoas ligadas à campanha, 37 delas nos últimos dois dias.
A coligação Plataforma Unitária uniu-se em torno de Machado depois de se distanciar das eleições de 2018, que deram a reeleição a Maduro, por considerá-las fraudulentas.
O governo acusou a oposição de tentar desestabilizar o país através da violência. O presidente da CNE denunciou, de facto, uma “agressão ao sistema de transmissão de dados que atrasou” a contagem, e apelou a uma investigação.
Nestas eleições estiveram presentes uma pequena delegação do Carter Center, que ainda não se pronunciou, e um painel de especialistas da ONU, que emitirá um relatório confidencial.
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