A mineradora anglo-australiana BHP Billiton, uma das acionistas da Samarco, assinou acordo no Reino Unido comprometendo-se a não apoiar ou financiar ação ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF), na qual o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) pede que a possibilidade de os municípios promoverem disputas judiciais no exterior é considerada inconstitucional.
É mais um capítulo da nova batalha judicial iniciada no mês passado e envolve o rompimento da barragem de Mariana (MG) ocorrido em novembro de 2015, que causou 19 mortes e causou danos às populações de dezenas de comunidades mineiras e capixabas. em toda a bacia do Rio Doce. Desde então, os envolvidos trocaram uma série de acusações.
Insatisfeitos com o processo de reparação no Brasil, cerca de 700 mil pessoas afetadas e 46 municípios, além de empresas e instituições religiosas, processaram os tribunais britânicos buscando responsabilizar a BHP Billiton, com sede em Londres. O caso tramita desde 2018. Audiências marcadas para outubro deste ano vão avaliar a responsabilidade da mineradora.
Mais recentemente, milhares de pessoas afetadas pela tragédia e sete municípios também levaram o caso a tribunal nos Países Baixos. Neste caso, o alvo são as subsidiárias holandesas da Vale e da Samarco. A ação foi acatada pelo Judiciário do país europeu em março deste ano. Há duas semanas, Vale e BHP Billiton, os dois acionistas da Samarco, firmaram acordo para pagar valores iguais em caso de condenação pela Justiça de ambos os países.
A nova batalha jurídica começou quando o Ibram, que representa as maiores mineradoras do país, entrou com uma ação no STF visando impedir que os municípios brasileiros ajuizassem ações em tribunais estrangeiros. A entidade alega que é inconstitucional entes federativos se envolverem em disputas no exterior. O ministro Flávio Dino, nomeado relator, já negou pedidos de liminar e considerou que o caso deveria ser analisado em plenário.
Dois dias depois da ação do Ibram, o Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) solicitou adesão ao processo. É composto pelos presidentes dos municípios envolvidos em processos judiciais em curso no Reino Unido. A ação também gerou reação do escritório Pogust Goodhead, que representa os afetados e municípios em ações movidas no Reino Unido e na Holanda. O assunto foi levado aos tribunais britânicos.
Os advogados do escritório apresentaram documentos que comprovariam que a ação do Ibram foi ajuizada a pedido da BHP Billiton. Alegaram que a tentativa de bloquear o acesso aos tribunais britânicos seria uma violação dos direitos dos municípios. Foi solicitada uma liminar para proibir a BHP de tomar qualquer medida que impedisse a resolução final do caso no Reino Unido. Eles também acusaram a mineradora de inicialmente mentir ao negar envolvimento no movimento. Afirmam que, ao ser questionada com provas, ela acabou admitindo que financiou a ação com aporte de R$ 6 milhões.
Ata da diretoria do Ibram, datada de 23 de maio, registra o pedido da BHP Billiton para que o STF seja acionado com o objetivo de “contestar a possibilidade de municípios brasileiros litigarem ações judiciais no exterior em relação a casos ocorridos no Brasil, especialmente no caso de colapso do Fundão barragem”. Na avaliação do escritório Pogust Goodhead, a mineradora ficou sem saída e assinou o acordo para não ser penalizada. Os advogados dos atingidos entendem que a mineradora também terá que pedir ao Ibram a desistência da ação em o STF.
Esta não é a interpretação da BHP Billiton. Procurado por Agência Brasil, a mineradora informou que se comprometeu no acordo a não realizar novas contribuições ao Ibram e que espera que a ação no STF siga seu curso normal.
“A BHP nega integralmente os pedidos formulados no caso da Inglaterra, e considera a ação desnecessária, por duplicar questões já contempladas por ações existentes e em curso no Brasil, sob a supervisão dos tribunais brasileiros”, registra nota divulgada pelo companhia de mineração . O acordo já foi aprovado pela Justiça britânica e há ainda previsão de sanções em caso de descumprimento, desde multas até apreensão de bens e prisão.
Os municípios ligados à Coridoce consideram que o Ibram quer obrigar os municípios a firmar acordos reparatórios nos quais não são ouvidos. No Brasil, o processo reparatório gira em torno do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) – assinado entre as três mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. A partir dela foi criada a Fundação Renova. Ela assumiu a gestão de mais de 40 programas, sendo as mineradoras responsáveis pelo custeio de todas as medidas.
Porém, mais de oito anos depois, a atuação da entidade é alvo de diversos questionamentos jurídicos e desde 2022 há uma tentativa de renegociação do processo de reparação, capaz de encontrar solução para mais de 85 mil processos pendentes pela tragédia. Os municípios mais uma vez não participam das negociações, que atualmente estão num impasse porque os valores propostos pelas mineradoras ainda não atenderam às expectativas da União e dos governos de Minas Gerais e Espírito Santo.
Argumento
Segundo o Ibram, a ação levada ao STF é uma Alegação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que tem como objetivo central proteger a soberania brasileira. A entidade afirma que, sem passar pelo escrutínio da justiça brasileira, a transparência das ações ajuizadas no exterior fica comprometida. Além disso, sustenta que é obrigatória a participação do Ministério Público em processos envolvendo entes federais, o que seria inviável em casos que tramitam fora do país.
Nesta quarta-feira (24), durante apresentação dos dados semestrais do setor mineral, o presidente do Ibram defendeu a medida. “Apoiamos as empresas nacionais e as mineradoras nacionais contra esta iniciativa que é absolutamente contrária à Constituição, à soberania e ao próprio Brasil. Não estamos mais na época do Brasil Colônia, quando tribunais estrangeiros, inclusive os da Inglaterra, aqui exigiam extraterritorialidade e que cidadãos sejam julgados pelos tribunais de lá. Isso não faz qualquer sentido.”
Após a divulgação do acordo no Reino Unido, o Ibram já havia divulgado comunicado repudiando a reação da defesa dos atingidos e afirmando que estava agindo de acordo com os interesses de seus associados. A entidade avalia que os reparos da tragédia foram pagos por empresas no Brasil, sob supervisão do Judiciário brasileiro. Além disso, afirma que a acção dos afectados no Reino Unido é financiada por um fundo abutre, que visa lucrar com a tragédia.
“Acontece que um escritório de advocacia estrangeiro com sede em Londres, Inglaterra, e um fundo abutre, ambos amplamente identificados como membros da indústria da tragédia, isto é, como defensores das causas de outras pessoas para seu próprio benefício e ganhos, agiram para trazer uma caso semelhante na Justiça de Londres e da Holanda, em flagrante desrespeito à justiça brasileira, à nossa Constituição e à soberania nacional, receberiam a maior parte da indenização proposta aos municípios e a mais de 700 mil pessoas, a quem tivessem direito concederiam as sobras, nada mais que migalhas, usando as vítimas como marionetes para objetivos indizíveis”, registra o texto.
A acusação foi refutada pelo escritório. “As tarifas recebidas seguem as práticas de mercado e variam de acordo com o tipo de cliente, sendo a média de 22,5% – já que parte dos clientes é atendida em um pro bono [sem cobrança], como indígenas e quilombolas. As vítimas não pagam nada por assistência jurídica e Pogust Goodhead só receberá honorários se vencer. O escritório, portanto, recebe recursos de verbas para cobrir despesas processuais – que já somam R$ 150 milhões ao longo dos 6 anos de processo”, informou.
Segundo os advogados de defesa das pessoas afectadas, este modelo permite o acesso à justiça às vítimas que, em muitos casos, não teriam meios para enfrentar legalmente empresas multimilionárias como a BHP. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apoia esta arrecadação.
“É extremamente legítimo que o escritório busque financiamento para garantir que esta ação seja bem feita e bem subsidiada tecnicamente para que possamos ter sucesso. Quem ganhou dinheiro com a tragédia são os criminosos defendidos pelo Ibram. que as empresas, o que os criminosos fizeram, faz do crime um negócio que vale a pena no nosso país. E esta é a razão da acção internacional, porque infelizmente, até hoje, o poder das empresas no nosso país fez com que a justiça ainda não fosse alcançada”, disse. Joceli Andrioli, membro da coordenação do MAB.
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