Questionado por potências como os Estados Unidos e a União Europeia, o sistema eleitoral da Venezuela tenta neste domingo (28) provar que é seguro e que o voto da população não pode ser violado. Mas, afinal, como funciona o sistema eleitoral da Venezuela?
Inicialmente, o eleitor apresenta sua identidade e passa pelo reconhecimento biométrico por meio da impressão digital. Depois, vá até a urna eletrônica e calcule seu voto. Depois, o voto é impresso em papel e o eleitor pode conferir se está correto. Por fim, ele deposita o voto impresso em outra urna.
Os votos apurados eletronicamente são enviados por meio de sistema proprietário – sem conexão com a internet – para uma central que totaliza todos os votos. Posteriormente, é feita uma verificação, por amostragem, para saber se os votos enviados pela urna eletrônica são iguais aos depositados, em papel, na urna ao lado da urna.
O que pesa contra este sistema é o facto de parte da oposição venezuelana denunciar alegadas fraudes desde pelo menos 2004 – com exceção de 2015, quando ganhou as eleições para a Assembleia Nacional. A favor do sistema eleitoral venezuelano, há especialistas e organizações que apontam que não há provas ou razões para acreditar que o voto seja violado, apesar de apontarem outros problemas relacionados com as eleições no país.
Em 2012, o sistema eleitoral venezuelano foi elogiado pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, que coordena o Carter Center, responsável por monitorar as eleições em todo o mundo.
“Não temos dúvidas, temos acompanhado muito de perto o processo eleitoral e [o ex-presidente Hugo Chávez] ganhou de forma justa. Na verdade, das 92 eleições que monitoramos, eu diria que o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo”, disse o ex-presidente.
Por outro lado, em 2021, o Carter Center publicou um relatório sobre as eleições municipais e estaduais venezuelanas criticando um “padrão de repressão política”, “direitos severamente restritos à participação política” e “liberdade de expressão”. No entanto, ele não questionou a segurança da votação em si.
“O sistema eleitoral da Venezuela é totalmente automatizado e a CNE [Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela] audita todas as fases do processo”, informou o declaração do Centro Carter, em 2021, acrescentando que “foram realizadas uma série de auditorias durante e após o processo eleitoral, na presença de especialistas, representantes de partidos e observadores. Todos os auditores concordaram que o sistema de votação eletrónica é seguro.”
Oposição audita eleições
O professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Central da Venezuela (UCV), Rodolfo Magallanes, destacou Agência Brasil que o facto de a oposição acompanhar todo o processo e participar na auditoria das urnas é a principal garantia de que o voto não é violado.
“Os setores adversários acompanham todo o processo por meio de auditorias de sistemas a todo momento, inclusive no período pré-eleitoral. Isto oferece garantias a todos os setores de que a sua decisão será respeitada”, destacou o cientista político.
Este ano, a oposição registou observadores em todas as mais de 30 mil assembleias de voto do país. “Conseguimos, graças aos nossos voluntários, obter as credenciais de todas as testemunhas”, relatou o principal candidato da oposição, Edmundo González.
Segundo o pesquisador Rodolfo Magallanes, a oposição participou de mais de dez auditorias ao longo do processo. “Isso pode ser visto nos documentos publicados no site da CNE. A oposição assinou os documentos que validam as auditorias”, afirmou.
A segurança eleitoral na Venezuela é apoiada pelo Observatório Global de Comunicação e Democracia, uma organização não governamental que monitora eleições na América Latina. Segundo a diretora geral da entidade, Griselda Colina, “o sistema [de votação automatizada] foi auditado, o sistema funcionará. O problema está dentro e em torno do processo de votação.”
Pressão política
Segundo o especialista, entre as limitações do processo eleitoral venezuelano estão “a coerção dos eleitores em locais controlados pelo governo, a ampliação do horário de funcionamento dos colégios eleitorais e a limitação do acesso de observadores”.
Nas eleições autárquicas de 2021, uma das críticas registadas pelos observadores nacionais e internacionais foi em relação aos “pontos vermelhos”, que são estruturas montadas pelo PSVU (partido do governo) perto dos locais de votação.
“Esses sites foram criticados pela oposição como um método de rastrear os eleitores e correlacionar o voto com os benefícios do governo”, diz o documento do Carter Center. A organização, por outro lado, elogia os procedimentos de recursos e impugnações dentro das eleições, dizendo que “geralmente estão alinhados com os padrões e melhores práticas internacionais”.
Uma Missão de Observação Eleitoral (MOV) da União Europeia analisou as eleições municipais e estaduais de 2021. Especialistas europeus registaram alguns problemas, como o cancelamento de inscrições de candidatos e a desigualdade de acesso aos recursos estatais e aos meios de comunicação social, com os candidatos ligados ao oficialismo a terem mais espaço e recursos.
No entanto, a delegação da UE não apontou uma possível violação da votação. “Uma auditoria exaustiva ao sistema de votação automatizada, realizada por especialistas académicos, concluiu que o sistema garante a integridade do voto”, refere o comunicado europeu.
Especialistas do Carter Center, por sua vez, citaram que a inclusão de dois juízes na CNE, ligados à oposição a partir das eleições de 2021, deu mais confiança e maior credibilidade ao órgão. “O governo ainda mantém o poder na CNE, mas a comissão é menos tendenciosa do que tem sido nas últimas décadas”, afirmaram.
Relatórios de fraude
O Carter Center, apesar de registar que organizações da sociedade civil e grupos de observadores locais documentam “milhares de irregularidades”, afirmou que estas denúncias não são formalizadas. “Não foram apresentadas reclamações formais, o que demonstra um baixo nível de confiança no sistema”, avaliou o relatório de 2021.
O cientista político venezuelano Rodolfo Magallanes disse que as alegações da oposição de fraude em eleições anteriores nunca foram formalizadas ou levadas adiante.
“Essas acusações não levam a lugar nenhum porque nenhuma prova adicional é apresentada. Ou seja, faz-se um comentário para tentar pôr em causa os resultados eleitorais, mas não vem acompanhado de uma denúncia formal”, disse.
O pesquisador acrescentou que denúncias de fraude sem provas por parte de candidato derrotado também ocorreram nos EUA, quando Donald Trump perdeu para Joe Biden, em 2020, e no Brasil, quando Jair Bolsonaro perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022.
Magallanes lembrou ainda que a denúncia da empresa Smartmatic – que fornecia soluções tecnológicas à CNE, também não foi acompanhada de provas e que nem mesmo a oposição deu continuidade à denúncia.
Em 2017, funcionários da Smartmatic afirmaram, em Londres, três dias após a votação, que os resultados da eleição para a Assembleia Nacional Constituinte tinham sido manipulados. Na época, a oposição boicotou as eleições e o chavismo foi às urnas sem concorrentes.
Observadores eleitorais
As eleições deste ano devem ter observadores nacionais e internacionais independentes. Entre as instituições nacionais estão a Rede de Observação Eleitoral da Assembleia Educacional (ROAE), a Fundação Projeto Social, a Associação Venezuelana de Juristas e o Centro Internacional de Estudos Superiores.
Sobre os observadores nacionais, a especialista Griselda Colina explicou que, com exceção da Rede de Observação Eleitoral, há pouca informação sobre os restantes grupos.
Entre os observadores internacionais, além do Centro Carter, estão técnicos das Nações Unidas que formam o Painel de Peritos Eleitorais da ONU. A delegação da União Europeia, inicialmente prevista para participar nas eleições, foi vetada pelo governo venezuelano depois de o bloco ter renovado as sanções económicas contra o país caribenho.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil desistiu de enviar observadores depois que Nicolás Maduro, presidente do país e candidato à reeleição, declarou que o sistema eleitoral brasileiro não seria auditável. A Justiça Eleitoral afirmou que a declaração de Maduro é falsa. “A Justiça Eleitoral Brasileira não admite que, interna ou externamente, por meio de declarações ou atos que desrespeitem a lisura do processo eleitoral brasileiro, a seriedade e a integridade das eleições e das urnas eletrônicas no Brasil sejam desqualificadas com mentiras”, afirmou o TSE, em nota.
O governo brasileiro deverá enviar o assessor internacional da Presidência da República, embaixador Celso Amorim.
O diretor Eugenio Martínez, da Votoscopio, outra organização especializada em eleições, destacou que a maioria das missões de observação tem “monitoramento político”. Para ele, apenas o Painel de Peritos Eleitorais da ONU e o Centro Carter são observadores técnicos internacionais autorizados a avaliar a votação deste domingo. .
Sem acordo
Dos dez candidatos que concorrem à presidência da Venezuela este ano, dois não assinaram acordo para reconhecer o resultado eleitoral, incluindo o principal candidato da oposição, Edmundo González.
“Assinar um acordo para quê? O primeiro que viola os acordos, que assina, é o governo. Temos os Acordos de Barbados que se tornaram letra morta”, disse ele aos jornalistas, segundo o veículo Voz da América. O Acordo de Barbados foi o compromisso assumido entre o governo e a oposição para as eleições deste ano.
Ao mesmo tempo, o chefe da campanha de Maduro, Jorge Rodríguez, denunciou um alegado plano da oposição para não reconhecer a eleição.
“É curioso que um dos dez candidatos já esteja fazendo uma farsa ao dizer que houve fraude nas eleições, porque eles, e nós, sabemos quais são as verdadeiras pesquisas. Todas estas agências internacionais estão encarregadas de criar uma mentira que afetará e atacará o processo eleitoral venezuelano”, afirmou em conferência de imprensa.
As pesquisas eleitorais na Venezuela divergem em relação ao resultado, algumas dando a vitória ao presidente Maduro e outras a Edmundo González.
Embargo econômico
Para o cientista político Rodolfo Magallanes, o sistema eleitoral venezuelano tem se mostrado seguro e confiável, mas as sanções econômicas prejudicam os direitos políticos da população.
“Até certo ponto, não há liberdade absoluta para os eleitores venezuelanos votarem sem se sentirem, de alguma forma, pressionados. Se você tem sanções externas ao seu país, não há liberdade que um eleitor aspire para tomar decisões”, comentou.
Desde agosto de 2017, a Venezuela enfrenta um bloqueio internacional que limita o acesso ao mercado de crédito global e, desde janeiro de 2019, também aos mercados de petróleo e outros minerais.
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