A Prefeitura de Campo Grande esqueceu literalmente de indenizar os proprietários dos 52 imóveis que foram desapropriados para abrir o chamado novo acesso à região das Moreninhas. E por causa desse inadimplemento, a obra não sai do papel e o proprietário já tem recurso na Justiça para tentar receber indenização.
A primeira fase dessa nova estrada está praticamente pronta, mas termina no meio de um pasto e sem a segunda fase boa parte dos R$ 41 milhões já investidos terá sido jogada fora.
Pela previsão inicial, feita em janeiro de 2023, quando foi publicado o decreto de desapropriação, seriam necessários R$ 10.491.792,41 para indenizar os proprietários dos 52 imóveis da rua Salomão Abdala, na região do bairro Itamaracá.
A maioria aceitou amigavelmente o valor estipulado pelo poder público e repassou a escritura ao município, com tudo registrado em cartório. E, como o acordo foi amigável, a Câmara Municipal comprometeu-se a pagar a indemnização. Mas os prazos passaram e o dinheiro não foi depositado.
Por conta disso, nesta terça-feira (24), o idoso Maçanori Odashiro, de 81 anos, proprietário de três dos imóveis desapropriados amigavelmente, ajuizou ação no Juizado de Fazenda e Registros Públicos de Campo Grande exigindo o pagamento de R$ 3.543, 400,76.
Seu advogado, José Guilherme Rosa, afirma que, além de idoso, senhor Maçanori tem “câncer em estágio terminal” e por isso precisa ter prioridade no pagamento. E, justamente por ser idoso e não ter interesse nas disputas judiciais normalmente demoradas, já havia acertado o valor da indenização, embora entendesse que seus três lotes, que juntos somam quase 15 mil metros quadrados, valiam muito mais do que isso.
José Guilherme conta que antes de ir a tribunal foram realizadas inúmeras reuniões com diferentes secretários municipais e um “empurrou a responsabilidade para outro. A secretária da Fazenda alegou que só ficou sabendo disso agora”, disse a advogada.
Todas as obras, orçadas em quase R$ 74 milhões, estão sendo custeadas pelo Governo do Estado, incluindo o valor da indenização. Por conta disso, o advogado também procurou o comando da Agesul.
Lá, segundo ele, informaram que iriam efetivamente repassar os R$ 10,5 milhões referentes à indenização para a prefeitura, mas até aquele momento não haviam recebido nenhum pedido de repasse da administração municipal. “Não se isso é por desorganização da prefeitura ou por questões políticas, já que estamos em ano eleitoral”, questiona.
IRRITAÇÃO
Por conta disso, o advogado não poupa críticas à prefeitura em seu pedido de pagamento protocolado na Justiça.
“O despreparo, a ineficiência e o descaso com o erário por parte dos administradores do Município de Campo Grande são tão grandes que o Município sequer solicitou o repasse dos valores inerentes à desapropriação para o Estado de Mato Grosso do Sul. os cidadãos ficam à mercê de uma administração desqualificada e despreparada”, escreveu.
Informou então ao juiz que “a justificativa da Secretaria da Fazenda para o descumprimento do acordo pactuado é que não há verba para o pagamento das desapropriações e que o acordo foi assinado pela Procuradoria Geral do Município, sem anuência da SEFIN, eles esqueçamos, portanto, que o acordo foi assinado pela própria Prefeita e a pedido do próprio Secretário de Governo, conforme narrado no Ofício nº. 215/2024”, destacando o que chama de “jogo de empurrar”.
Na ação ele diz que em abril o município encaminhou à prefeitura um pedido de complemento orçamentário para pagamento de indenização do viaduto Plange, sobre a BR-163, na região do Parque dos Poderes. “Agora, qual o critério utilizado pela Prefeitura de Campo Grande para indenizar apenas os proprietários de imóveis que estejam localizados em área nobre da cidade em detrimento de outros”, questiona.
“A verdade é dura Excelência, o Município aproveita a condição social dos moradores que, com exceção dos requerentes, são pessoas pouco esclarecidas e pobres, para promover o pagamento de outras indemnizações, indo ao encontro dos interesses dos grandes grupos imobiliários. Coloca-se a questão, Excelência…. Se desde 2022 o Ministério das Obras está autorizado pela Procuradoria-Geral da República a fornecer o valor da indemnização, porque é que não foi enviado à Câmara Municipal um projecto de lei autorizando a complementação orçamental ou mesmo autorizado por tanto o Governo do Estado?” diz o advogado que defende o idoso que tem câncer terminal.
Carta do início de 2023 revela que Ministério Público já havia pedido indenização ao Sisep
Ainda segundo o advogado, nenhum dos demais proprietários recebeu indenização. “Em sua maioria, são famílias que só têm aquela casa para morar. Ninguém vai sair de casa sem tê-la recebido, ainda mais sabendo que a prefeitura não cumpre os acordos”, explica.
Portanto, acredita ele, a continuação da avenida de R$ 41,3 milhões que por enquanto liga Moreninhas ao “lugar nenhum” não sairá do papel tão cedo.
A Agesul chegou a abrir licitação para a segunda etapa, estimada em R$ 32 milhões, em janeiro do ano passado, mesmo período em que a prefeitura desapropriou os imóveis.
A concorrência, porém, não avançou e nesta terça-feira (23) a assessoria da Agesul informou que o projeto foi dividido em duas etapas e que a continuidade das obras ainda depende da conclusão das licitações.
Estruturação do trabalho
A nova estrada que liga a região sul de Moreninhas à região central tem como objetivo principal desonerar o trânsito nas estradas com Eduardo Elias Zahran, Costa e Silva, Guri Marques, Guaicurus e outras.
Pelo projeto, a nova avenida seguirá a Avenida Rita Vieira, que atualmente termina em Guaicurus. Seguirá pelo trajeto onde hoje é a Rua Abdala Salomão, cortando uma região ainda desabitada e encontrando a Avenida Alto da Serra, em Moreninhas.
As obras nas Moreninhas começaram em dezembro de 2022 e estão praticamente concluídas. O problema é que a nova estrada termina no meio de um pasto, próximo ao Córrego Lageado, sobre o qual foi construída uma ponte que exigiu aterros com cerca de seis metros de altura em cada margem.
O Correio do Estado aguarda desde segunda-feira (22) explicações da prefeitura sobre o andamento dos processos de desapropriação e indenização, mas até a publicação desta reportagem não obteve resposta.
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