Milagres, guerra e política marcaram a vida do Padre Cícero Romão, considerado um dos personagens mais importantes da história do Brasil. Este sábado (20) marca os 90 anos da morte do padre, que ainda hoje mobiliza centenas de milhares de pessoas a Juazeiro do Norte (CE) todos os anos.
Nascido em 1844, no Crato (CE), sertão cearense, Padre Cícero (mais conhecido como Padim Ciço) é considerado santo por uma multidão de devotos e Juazeiro do Norte é considerado um lugar sagrado.
A cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento, 58 anos, mestre da cultura popular, relatou sua devoção ao padre Cícero e a Maria de Araújo, a bendita que realizou os famosos milagres das hóstias.
“Minhas letras [de músicas de coco] Falam muito do Padre Cícero porque, para mim, ele é um santo. Padre Cícero veio para transformar Juazeiro. É um Deus enviado para a região do Cariri. Se não fosse Padre Cícero, não haveria Juazeiro, não haveria romaria. A Beata Maria de Araújo, para mim, desempenha e desempenhou o mesmo papel de Nossa Senhora”, explicou.
A santificação dada pelo povo ao Padre Cícero e Maria do Araújo tem origem nos chamados milagres das hóstias. Conta-se que as hóstias dadas pelo Padre viraram sangue na boca da Beata Maria de Araújo.
O suposto milagre – rejeitado pela Igreja Católica, que excomungou o padre e o proibiu de realizar missas – levou multidões a Juazeiro, criando um dos maiores movimentos populares e religiosos da história do país.
Da religião à política
O historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que através de sua atuação religiosa, Padre Cícero tornou-se um importante político de sua época.
“O político é consequência do religioso. O prestígio que tem em relação aos devotos, as notícias sobre milagres e toda essa repercussão que vai destoar da Igreja e em sintonia com essas tradições caipiras transforma Padre Cícero em um santo vivo. Então, tudo decorre daí. O prestígio político dele vem daí”, explicou.
O religioso foi prefeito de Juazeiro por sucessivos mandatos, chegando ao cargo de vice-governador do Ceará.
Visão equivocada
Filho de romeiros, o professor, escritor e memorialista Renato Dantas, de 75 anos, critica a visão que considera equivocada por parte da academia e que os intelectuais têm de Juazeiro e dos romeiros, muitas vezes retratados como “fanáticos”.
“Comecei a estudar para saber até que ponto poderíamos ser fanáticos ou guardiões de uma memória da religiosidade popular. Cheguei à conclusão de que Juazeiro é o repositório dessa memória e que os romeiros e peregrinas a consideram um espaço sagrado”, explicou.
Para o Juazeirense, o sonho que Padre Cícero teria tido – em que Jesus o teria instruído a “cuidar” daquela gente – os milagres das hostes e a guerra de 1914 no Ceará são os três elementos que constroem essa religiosidade.
“A forma como Juazeiro foi construída neste lugar sagrado foi um sonho, um milagre e uma guerra. Para mim são esses três aspectos que consolidam a posição do Padre Cícero em Juazeiro, o entendimento dos ciganos sobre Juazeiro”, defendeu Dantas.
Revolta de Juazeiro
Em 1914 ocorreu a chamada Revolta ou Sedição de Juazeiro. O governo do Ceará ordenou o cerco da cidade na tentativa de desmantelar o poder que Padre Cícero exercia na região. A resistência armada popular conseguiu não apenas romper o cerco, mas marchar até Fortaleza e derrubar o então governo local de Franco Rabelo.
“O fato é que Juazeiro só consegue se revoltar pela força de atração do Padre Cícero em Juazeiro. Ele até chama gente para defender Juazeiro. Se não tivesse esse prestígio nada teria acontecido porque Juazeiro era uma cidade pequena, não tinha como montar um batalhão”, disse o professor Régis Lopes.
Anos antes, em 1911, a atuação de Padre Cícero levou à autonomia política de Juazeiro do Norte, até então distrito do Crato. Apesar do seu envolvimento político, o historiador Régis Lopes afirma que o Padre dedicou o seu tempo e energia às questões religiosas, deixando as articulações políticas ao seu aliado Floro Bartolomeu.
“Para muita gente, Floro era o prefeito de Juazeiro porque na prática foi ele quem fez essa ligação. As preocupações do Padre Cícero eram outras. A documentação escrita do padre Cícero mostra que a vida dele, o gosto dele, foi em relação a ser padre da Igreja”, acrescentou o historiador.
santo popular
Padim Ciço morreu após romper com o Vaticano. Em 2015, a Igreja reconciliou-se com os religiosos e, em 2022, o início do processo para sua beatificação. Em outubro de 2023, Padre Cícero foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do Brasil por Lei sancionada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
O historiador Régis Lopes, da UFC, argumentou que, do ponto de vista sociológico, Padre Cícero é um santo, mesmo não sendo reconhecido oficialmente pelo Vaticano. “Só existe santo se houver devoto. Esta é a lógica básica de qualquer peregrinação. Tem que haver uma base social que construa essa ideia de santidade”, explicou.
*Com informações da Agência Brasil
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