O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta segunda-feira (15), que os países europeus precisam resolver suas próprias contradições para que o acordo entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia (UE) possa avançar. Lula recebeu, no Palácio do Planalto, o presidente da Itália, Sergio Mattarella, que está em visita de Estado ao Brasil.
“Reiterei ao presidente italiano o interesse do Brasil em concluir, o mais rápido possível, um acordo com a União Europeia que seja equilibrado e contribua para o desenvolvimento de ambas as regiões. Expliquei que o progresso nas negociações depende de os europeus resolverem as suas próprias contradições internas”, disse Lula, durante declaração à imprensa.
Aprovado em 2019, após mais de 20 anos de negociação, o acordo enfrenta resistência de alguns países, como a França, para que entre em vigor. O acordo abrange temas tarifários e regulatórios, como serviços, compras públicas, facilitação do comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual.
Em diversas ocasiões, Lula criticou o protecionismo dos europeus, mas já disse que não desistirá do acordo Mercosul-UE. Hoje o presidente brasileiro reafirmou que decisões unilaterais podem prejudicar o andamento das negociações.
“Medidas como o imposto sobre carbono imposto unilateralmente pela União Europeia poderão afetar cinco dos dez produtos brasileiros mais exportados para o mercado italiano. A redução das emissões de CO2 é imprescindível, mas não deve ser feita com base em medidas unilaterais que impactarão a vida dos produtores brasileiros e dos consumidores italianos”, afirmou Lula.
Mattarella chegou ontem (14) ao Brasil e sua agenda inclui visitas às cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, além do estado do Rio Grande do Sul, um dos principais redutos de imigrantes italianos no Brasil. É a primeira visita de Estado de um presidente italiano ao Brasil em 24 anos.
Lula agradeceu as 25 toneladas de doações enviadas pela Itália ao Rio Grande do Sul, estado que sofreu com enchentes em maio e junho, na pior tragédia climática de sua história. “Foi muito valioso e muito importante, e tenho certeza [de] que o povo do Rio Grande do Sul e do Brasil será eternamente grato ao povo italiano pela sua generosidade”, disse.
Extremismo
Na Itália, o chefe de Estado desempenha basicamente funções cerimoniais e diplomáticas. O chefe de governo, na verdade, é a primeira-ministra Giorgia Meloni, que comanda o Poder Executivo e molda as políticas do país. No Brasil, o Presidente da República exerce ambas as funções, chefe de estado e chefe de governo.
Em 2022, Meloni foi eleito por uma coalizão de direita e extrema direita e, apesar da aproximação histórica com o Brasil, a Itália diverge em diversas questões, como a tributação dos super-ricos, proposta pelo Brasil no âmbito do G20 (grupo das 20 maiores economias do planeta).
Durante o encontro com Mattarella, Lula expressou “satisfação com a vitória das forças progressistas” nas recentes eleições no Reino Unido e na França. “Ambos são fundamentais para defender a democracia e a justiça social contra as ameaças do extremismo”, disse ela.
A visita do presidente italiano acontece no contexto das comemorações dos 150 anos da imigração italiana no Brasil. Hoje, existem mais de 35 milhões de descendentes de italianos no Brasil e mais de 100 mil brasileiros na Itália.
A agenda da reunião de trabalho entre Lula e Mattarella incluiu temas da relação bilateral e do diálogo entre dois grandes fóruns multilaterais, já que o Brasil preside o G20 e a Itália, o G7 (grupo dos sete países democráticos mais ricos). O combate à fome e à desigualdade é uma agenda compartilhada entre os dois países e uma das prioridades brasileiras no G20.
“País sede da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] e o Programa Alimentar Mundial, a Itália convidou o Brasil a participar do grupo de trabalho do G7 sobre segurança alimentar. Retribuí a confiança convidando a Itália a aderir à Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza, que lançaremos no Brasil por ocasião da [encontro do] G20. O pioneirismo italiano em mecanismos de troca de dívida por alimentos será muito valioso para a nossa iniciativa”, acrescentou Lula, lembrando que o tema da transição energética justa também é comum aos dois países.
Economia
Elevado ao estatuto de parceria estratégica em 2007, o fluxo comercial entre os dois países é de aproximadamente 10 mil milhões de dólares, mas tem potencial para aumentar. De janeiro a junho deste ano, o Brasil importou US$ 870,4 milhões a mais do que exportou para a Itália. O país europeu foi apenas o 14º maior destino das mercadorias brasileiras e ficou em 6º lugar no ranking classificação das importações.
Lula manifestou interesse em diversificar a agenda e aumentar as exportações brasileiras. “A retomada, em breve, do Conselho de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Industrial e Financeiro Brasil-Itália poderá contribuir muito nesse sentido”, disse Lula, destacando a importância do Acordo Mercosul-UE para o aumento do fluxo comercial.
As vendas para Itália são dominadas por mercadorias (bens primários com preços internacionais), com compras lideradas por produtos manufaturados. Nas exportações, os principais produtos vendidos para a Itália no primeiro semestre foram celulose, café não torrado e soja. Nas importações, os principais destaques foram medicamentos, peças e acessórios para veículos, produtos industrializados e máquinas para a indústria.
A Itália tem cerca de mil empresas que geram 150 mil empregos diretos no Brasil, mas as relações também podem se expandir. O presidente Lula afirmou que está trabalhando para atrair mais investimentos italianos e destacou interesses nos setores automotivo e energético, bem como em setores tradicionais de cooperação, como a indústria aeronáutica.
Em 2023, a Itália ocupava a 18ª posição entre os principais investidores estrangeiros no Brasil, segundo o Banco Central do Brasil (BC). No ano passado, as empresas italianas investiram 319 milhões de dólares no país, contra 2,492 mil milhões de dólares de empresas espanholas, o quarto maior investidor no Brasil no mesmo período.
Durante a reunião, foi assinado um acordo sobre o reconhecimento recíproco de carteiras de habilitação para fins de conversão nos dois países. “Espero que este instrumento incentive o turismo e os negócios e facilite a rotina dos brasileiros que moram na Itália e dos italianos que moram no Brasil”, disse Lula.
Também foram assinados memorandos de entendimento entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade de Turim e entre a Universidade de São Paulo e a Universidade de Turim.
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