Com apoio de quase todos os partidos, PEC foi aprovada com 344 votos sim, 89 votos não e quatro abstenções no primeiro turno
Com o apoio de partidos que vão do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira, 11, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia. A PEC perdoa punições impostas aos partidos que cometeram infrações na prestação de contas, revoga a determinação de que negros devem receber recursos eleitorais na proporção do número de candidatos, isenta os partidos de sanções por outras irregularidades, garante “imunidade tributária” aos partidos e estabelece refinanciamento de até 15 anos para pagamento de dívidas.
A PEC foi aprovada com 344 votos sim, 89 votos não e quatro abstenções no primeiro turno, e com 338 votos sim, 83 votos não e quatro abstenções no segundo turno. Para entrar em vigor, a proposta precisa agora passar pelo Senado, onde é necessário o apoio de 49 dos 81 senadores, também em duas votações. Por se tratar de uma emenda à Constituição, o texto dispensa a sanção do presidente Lula para ser promulgado.
Em nota conjunta divulgada ontem, mais de 30 organizações da sociedade civil classificaram a aprovação da PEC pelo Congresso como “irresponsabilidade inaceitável”.
A Transparência Partidária estima que a anistia pode chegar a cerca de R$ 23 bilhões, contando apenas as contas pendentes de julgamento entre 2018 e 2023. O diretor do grupo, Marcelo Issa, disse que o valor pode ser bem maior. “Não se trata apenas de uma anistia financeira, mas de uma série de medidas que podem comprometer ainda mais a falta de credibilidade dos partidos políticos na sociedade”, afirmou.
A matéria foi aprovada ontem após sucessivos retrocessos da Câmara. Os deputados estavam preocupados com o desgaste potencial. O relatório final sequer foi apreciado em comissão especial, etapa anterior à votação em plenário. Na última tentativa, no início de julho, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), disse que só votaria a matéria com o apoio de todos os partidos. O PT discordou de temas do texto.
Segundo dirigentes, a votação só aconteceria com a garantia de que o Senado apreciaria a PEC. A aprovação na Câmara indica que o consentimento já foi dado. A expectativa é que a proposta seja aprovada pelo Congresso a tempo de valer para as eleições de outubro.
A PEC propõe aos partidos um mínimo de 30% para envio de recursos a candidatos negros. O texto, porém, abre brechas para que as siglas transfiram o valor para apenas um candidato, sem respeitar a proporcionalidade das candidaturas de políticos negros. Os diretórios nacionais de legendas também poderão escolher uma região específica para a qual serão enviados os recursos da campanha.
O piso mínimo seria válido a partir das eleições municipais deste ano e deverá ser seguido nas próximas eleições. Em 2020, o TSE decidiu que a divisão dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de publicidade eleitoral no rádio e na TV deve ser proporcional ao número total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa. Ou seja, se 50% dos candidatos forem negros, os partidos são obrigados a enviar a mesma proporção de recursos para suas campanhas. Na prática, essa determinação foi revogada.
A PEC estabelece que os partidos políticos ficarão isentos do pagamento de multas ou da suspensão de verbas partidárias e eleitorais em razão de responsabilizações realizadas antes da promulgação da emenda.
“É garantida aos partidos políticos, aos seus institutos ou fundações a utilização de recursos do Fundo Partidário para pagamento parcelado de sanções e penalidades de multas eleitorais, outras sanções, dívidas de natureza não eleitoral, devolução de recursos ao erário e devolução de recursos públicos ou privados imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, ressalvados os recursos de fontes proibidas”, diz trecho da PEC.
Esta amnistia estabelece um prazo até 15 anos para o pagamento de multas eleitorais, cinco anos para obrigações de segurança social e visa anular todas as sanções fiscais aplicadas aos partidos políticos, segundo organizações ligadas à transparência partidária.
No total, seriam alcançadas mais de 232 mil demonstrações financeiras. Fundações e institutos ligados a partidos também estão incluídos na anistia proposta pela PEC.
Caixa 2
Os partidos podem usar o Fundo Partidário para pagar multas. A garantia estende-se à devolução de recursos públicos e privados “incluindo os de origem não identificada”. Segundo entidades ligadas à transparência eleitoral, esse trecho da PEC permite que os partidos utilizem o chamado caixa 2 para quitar dívidas com a Justiça Eleitoral.
Imunidade fiscal
A proposta também garante “imunidade tributária” aos partidos e federações partidárias. Se aprovada, a PEC incluirá legendas na lista de instituições que não pagam impostos no país, como entidades religiosas e entidades assistenciais.
“A imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, inclusive a restituição, a cobrança de valores, bem como os juros, multas ou penas cabíveis aplicadas, por órgãos da administração pública direta e indireta, em processos administrativos ou judiciais em curso, em execução ou que tenham se tornado transitado em julgado, resultando na anulação de sanções, na extinção de processos e na retirada de lançamentos em registros de dívidas ou inadimplentes”, diz trecho da PEC.
Recargas
A PEC da Anistia também cria um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) para que os partidos possam regularizar suas dívidas. A movimentação será feita isenta de juros e multas acumuladas, sendo aplicada apenas correção monetária aos valores originais.
O substitutivo do relator da PEC, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), foi protocolado horas antes do início da votação e estava desidratado em comparação ao parecer apresentado pelo parlamentar anteontem. A proposta incorporou a obrigatoriedade de aplicar, até as eleições de 2032, o valor que deixou de ser aplicado à cota racial nas eleições anteriores. O valor será acrescido de 30% do piso mínimo previsto pela PEC.
Antônio Carlos Rodrigues também retirou um artigo que previa prazo para que as transferências fossem feitas. A ideia inicial era que um mínimo de 75% do valor fosse aplicado até 20 dias antes do primeiro turno das eleições. Os 25% restantes deverão ser incorporados às candidaturas dos negros até cinco dias antes do segundo turno.
O relator também retirou artigo que determinava que apenas o Congresso Nacional tem competência para criar políticas afirmativas voltadas às minorias no cenário eleitoral. Com isso, as resoluções do TSE ainda deverão ser cumpridas em anos eleitorais.
‘Desmoraliza’
Apenas PSOL e Novo votaram contra a PEC. “A autoanistia não é defensável, não é adequada e desmoraliza o instituto político-partidário”, disse Chico Alencar (PSOL-RJ). “Isso tira a credibilidade, que já não é muito grande, das organizações partidárias. É indefensável”.
“O que estamos fazendo aqui é uma anistia ampla e irrestrita para os partidos que descumprirem a lei”, afirmou Adriana Ventura (Novo-SP). “Os partidos recebem bilhões, fazem as leis, não cumprem as leis e deixam que o povo pague”.
A bancada negra na Câmara trabalhou para alterar o texto e, para amenizar a repercussão negativa da anistia, Rodrigues incorporou ao texto a obrigatoriedade de aplicação do dinheiro que deixou de ser aplicado na cota racial nas eleições anteriores para as próximas quatro subsequentes. eleições, até 2032.
Mesmo esta mudança preocupa os especialistas em transparência. “Nossa preocupação é que não será possível mensurar o cumprimento dessa obrigação até 2033. Foi estabelecida uma anistia temporária”, disse Guilherme France, gerente de conhecimento anticorrupção da Transparência Internacional Brasil. “Com o histórico de anistias já concedidas, não há dúvida sobre o risco de que esta anistia em particular se torne permanente antes de 2033”.
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