Apesar da imensa biodiversidade, os países da América Latina e das Caraíbas estão a ficar para trás no crescimento económico associado à chamada economia verde. Para reverter a situação, os especialistas destacaram a necessidade de adotar políticas de descarbonização para a indústria como caminho para promover o desenvolvimento e reduzir a desigualdade social.
Segundo a diretora interina da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Camila Gramkow, a projeção de crescimento das economias da região em 2024 é lenta, acompanhando a situação dos últimos anos, e deve permanecer em 2,1%.
Uma das comissões da Organização das Nações Unidas (ONU), a CEPAL destaca também que o crescimento será menor na América do Sul, permanecendo em 1,6%. A América Central e o México deverão crescer 2,7% e o Caribe (excluindo a Guiana) 2,8%.
O tema foi um dos debates da 76ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que segue até o dia 13, em Belém. Durante mesa redonda sobre política de descarbonização para a indústria, Camila afirmou que a situação se agrava diante do cenário de mudanças climáticas, que tende a agravar a desigualdade social historicamente existente na região
“As alterações climáticas são um detonador, um acelerador da desigualdade, os atores que sentirão os seus efeitos são as comunidades mais vulneráveis, aquelas que vivem nas encostas e que estão sujeitas a deslizamentos de terra; aqueles que vivem nas margens dos rios e estão sujeitos a graves inundações e secas e assim por diante”, destacou.
Economista de formação e doutor em economia das mudanças climáticas na Inglaterra, o diretor da CEPAL destacou que, se não forem tomadas medidas para enfrentar as mudanças climáticas, a desigualdade na região se agravará. “A crise ambiental não significa que se gere um problema novo, mas é um problema que agrava problemas já existentes”, definiu.
Segundo o diretor, o desafio da região é caminhar para um crescimento mais dinâmico e inclusivo. Um dos caminhos é a adoção de políticas que visem a descarbonização da indústria através de um “grande empurrão” de investimentos.
Na sua avaliação, o impulso teria capacidade, no curto prazo, de impulsionar e puxar a prosperidade económica e a criação de empregos e, no longo prazo, impulsionar mudanças na matriz industrial, com foco na descarbonização e na economia verde.
Essa mudança deve ser feita por meio da coordenação das políticas federais, fiscais, macroeconômicas e regulatórias, envolvendo o setor produtivo, o setor público e a sociedade civil.
“Se não houver investimentos na indústria, para que ela seja capaz de gerar parte das soluções, as tecnologias de descarbonização serão uma oportunidade perdida de transformar isso”, disse Camila, destacando que o Brasil já era responsável, no início da década de 1990, por cerca de 12% do número total de patentes verdes no mundo e atualmente representa 1%.
Exemplos de setores que podem impulsionar a descarbonização da economia e, consequentemente, da indústria são a transição energética, as energias renováveis, o hidrogénio verde, a eletromobilidade, a economia circular, a bioeconomia, a agricultura sustentável, a agricultura para a segurança alimentar, o turismo sustentável, a gestão sustentável do abastecimento de água, a gestão avançada manufatura, entre outros.
“Na ausência de uma política industrial para o desenvolvimento produtivo, estamos a falar de uma descarbonização dependente do exterior, com carros elétricos importados, autocarros elétricos importados, painéis solares importados”, disse.
Brasil
O diretor de Descarbonização e Finanças Verdes da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), João Francisco Avelino, disse que uma das estratégias adotadas pelo governo é influenciar o processo por meio de programas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“O PAC é um direcionador de demanda, e pode gerar demanda por esses produtos verdes descarbonizados, caso contrário a indústria não irá nessa direção”, destacou.
Avelino lembrou que o Brasil tem uma posição diferenciada em relação aos demais países, principalmente aos países da União Europeia e aos Estados Unidos, já que a maior parte da matriz energética brasileira é composta por fontes renováveis. Ele lembrou que o desmatamento é o maior responsável pelas emissões de gases de efeito estufa no país.
“O desmatamento é o grande vilão das emissões nacionais. Em muitos aspectos, já fizemos uma transição energética, nossa matriz é muito mais limpa que o resto do mundo. Ao discutir descarbonização no Brasil, temos que ter uma abordagem que represente a nossa realidade. Vemos a descarbonização como uma oportunidade de negócio.”
O coordenador do programa de biotecnologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Luís Adriano do Nascimento (UFPA), indicou o investimento em biocombustíveis e combustíveis verdes como um dos caminhos.
“A redução das emissões de carbono vai acontecer, mas não apenas com a descarbonização. Ainda precisaremos de combustíveis à base de carbono, mas devem ser renováveis”, destacou.
Segundo Nascimento, esses combustíveis terão papel fundamental no cenário de transição energética e citou como exemplo o Sustainable Aviation Fuel, ou SAF (Sustainable Aviation Fuel), produzido a partir de fontes renováveis e que pode reduzir as emissões de CO2. entre 70% e 90%, em relação ao querosene de aviação; e o biobunker, combustível para embarcações de grande porte.
“Em termos de ciência temos vários caminhos, a questão é encontrar essas respostas de forma mais rápida, com investimentos”, explicou. “Nosso papel é mostrar o quanto a ciência está diretamente relacionada à solução desse problema, é ela que dará sustentação para o direcionamento das políticas”, defendeu Nascimento.
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