O relator da regulamentação da reforma tributária, Reginaldo Lopes (PT-MG), decidiu, nos momentos finais da votação, incluir a carne na lista de produtos da cesta básica nacional, que terá alíquota zero. A medida foi aprovada pelo plenário por 447 votos a 3, mais duas abstenções.
“Estamos incluindo todas as proteínas no relatório da reforma: carne, peixe, queijo e, claro, sal. Porque o sal é um ingrediente da culinária brasileira”, anunciou Lopes no plenário da Câmara dos Deputados por volta das 21h.
A decisão ocorreu após dias de impasse em torno do tema e evitou risco de derrota para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que agiu diretamente para tentar bloquear a isenção. Antes do resultado, o relator divulgou, ao longo desta quarta-feira (10), três versões diferentes do parecer sem incluir carne na cesta básica, e o texto base foi aprovado sem a alteração.
O tratamento tributário da carne foi um dos temas mais polêmicos durante a discussão do projeto na Câmara, e destaque apresentado pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT ), teve chances de ser aprovado.
Momentos antes da votação, alguns líderes chegaram à mesa para conversar com Lira. Segundo relatos de um aliado de Alagoas, os parlamentares alertaram que, se o tema fosse a votação, o presidente da Câmara seria derrotado. Momentos depois, o relator deu sinal verde para a inclusão da carne na cesta básica.
“[O acordo] Foi encerrado ali, dentro do plenário, os líderes [estavam] abaixo, aí vários subiram lá na reta final, antes da votação do destaque”, narrou o presidente da Câmara, após a votação. Segundo ele, foi “uma votação que pode dar qualquer coisa”. “Qualquer lado poderia chegar ao 257 [votos necessários] ou não se fosse feita uma composição”, disse Lira.
A FPA (Frente Parlamentar Agrícola), um dos grupos mais poderosos do Congresso, foi uma das principais defensoras da inclusão da proteína animal. Nos últimos dias, representantes da frente se reuniram diversas vezes com o presidente da Câmara na tentativa de resolver o impasse.
Em confraternização promovida pelo PSD na noite desta terça-feira (9), Lira teve uma discussão acalorada com o presidente da entidade, deputado Pedro Lupion (PP-PR), sobre o tema. Nesta quarta-feira, o presidente da Câmara realizou novas reuniões com membros da FPA, mas ainda não houve convergência sobre o tema.
Após o anúncio do relator, Lupion afirmou que foi tomada uma decisão do “plenário político”. “A maioria dos dirigentes fez as contas e viu que o resultado seria favorável à inclusão das proteínas. É o voto, a máxima da Câmara que a maioria tem voto e a minoria, que manda”, disse. “Aplaudimos a decisão do relator, uma decisão política que evita uma disputa muito feia no plenário”.
Lupion afirmou ainda que o grupo ruralista “negociou longamente” com lideranças, integrantes do grupo de trabalho e, principalmente, com Lira. “É importante destacar que o presidente Arthur Lira assumiu o papel de articulador dessa questão e nunca deixou de nos ouvir. Às vezes bem, às vezes mal, muitas vezes sem concordar com as nossas demandas”.
Ao final da votação, Lira deixou claro que a isenção de proteínas animais terá impacto na alíquota padrão dos novos impostos —o Tesouro estima o efeito em 0,53 ponto percentual, a uma alíquota estimada em 26,5%.
Segundo o presidente da Câmara, o que deu mais conforto à decisão foi a inclusão de um bloqueio para que essa alíquota não ultrapasse 26,5%. Isso significa que, caso a cobrança seja maior na implementação da reforma, o Executivo terá que enviar um projeto de lei complementar revisando os benefícios ou descontos na alíquota de determinados bens e serviços.
“A inclusão da proteína na cesta básica terá grande impacto na alíquota do imposto […]. Mas o que deu mais conforto foi esse bloqueio de 26,5%, que estava incluído no texto. Se chegar perto, terá que haver uma mudança, terá que ser revisto. E então, com o tempo, [avaliar se] foram todas as proteínas, quais ficam, quais saem, isso afeta outra situação, outro aspecto”, disse Lira.
O presidente, porém, sinalizou que não mudou de opinião sobre o tema. “Acho que a posição está errada em relação à alíquota e está certa em relação ao que eles pensam sobre os alimentos básicos. Quem manda nas discussões na Câmara, nas votações, são os parlamentares. , vai para o Senado e estamos acompanhando”, disse.
O tema carne também virou novo foco de divergência entre Lira e Planalto.
Por um lado, Lula defendia a inclusão da carne na cesta básica, enquanto Lira era contra. Em entrevista ao UOL no final de junho, o petista entrou na discussão da reforma ao defender a isenção de impostos para o frango.
Há uma avaliação da ala política do governo de que essa medida teria forte apelo popular, porque o volume de proteína animal consumido no Brasil é relevante. Além disso, uma das promessas de campanha do petista era que os brasileiros voltariam a comer carne, como a picanha.
O próprio Ministério das Finanças calculou, no entanto, que a inclusão da carne na cesta básica teria um impacto de 0,53 pontos percentuais na taxa normal do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), a pagar por todos os contribuintes.
Na metodologia do Banco Mundial, este efeito poderia ser ainda maior, 0,57 pontos percentuais.
O impacto foi um dos motivos citados por Lira para justificar o posicionamento contrário à inclusão. Na semana passada, o presidente da Câmara disse que isso acarretaria um “preço pesado para todos os brasileiros”.
Nas discussões mais recentes, argumentou aos interlocutores que contemplar a carne seria uma “loucura” e que a conta seria paga por todos os contribuintes.
Após a votação, Lira afirmou que “cada lado agora terá sua narrativa”.
“Na verdade, o presidente Lula apoiou, a emenda foi feita pela oposição. Houve um acordo e o texto foi votado. Muito mais importante do que esta polarização que insistimos em fazer é a reforma que entregamos hoje ao país”, disse.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) disse que a isenção da carne era “o sonho do presidente Lula” e que “sempre afirmou que era muito importante que houvesse proteína na cesta básica das pessoas mais vulneráveis”.
Líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ) afirmou que a inclusão do relator ocorreu após pressão e trabalho da oposição, numa crítica ao governo federal. “As promessas que foram feitas e não foram cumpridas possivelmente poderão ser cumpridas agora. Parabéns à bancada do PL”, disse.
Além do agronegócio, também houve pressão de outros setores, como supermercados, e de parlamentares, da direita à esquerda, que defendem uma cesta básica mais ampla.
A reportagem testemunhou o momento em que o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) abordou o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), na sala verde da Câmara, na tarde desta quarta-feira, perguntando o que seria feito para contemplar as carnes. Cunha respondeu rapidamente que se tratava de um assunto “complicado”, antes de entrar no plenário de votação.
Em outro momento, antes mesmo da votação, o deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA) disse a Ricardo Salles (PL-SP), que votaria a favor da ênfase do PL na inclusão da carne na cesta básica.
(INFORMAÇÕES DA FOLHAPRESS)
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