A Polícia Federal identificou contradições nos depoimentos dos investigados sobre a venda e recompra no caso de joias e presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante viagens oficiais internacionais.
Alguns deles chegaram a ser apontados durante a investigação que indiciou 12 pessoas, incluindo o ex-agente, por crimes como peculato (apropriação de bens públicos), associação criminosa e lavagem de dinheiro.
No documento, enviado nesta segunda-feira ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a PF destaca que as versões apresentadas por Bolsonaro a respeito da destinação dos itens, inclusive joias de alto valor, demonstram “evidentes contradições”.
Esta segunda-feira, a defesa de Bolsonaro classificou a investigação como “inusitada” e afirmou que o ex-presidente “em nenhum momento pretendeu ser dono ou possuir bens que pudessem, de alguma forma, ser considerados públicos”.
“Vergonha diplomática”
Os investigadores afirmam que o ex-presidente, na tentativa de recuperar um dos conjuntos, retidos no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, rapidamente, no final do mandato, usou o argumento de que evitaria o que chamou de “constrangimento diplomático ”, se os itens fossem leiloados como “qualquer bem”.
“Os elementos objetivos demonstram evidente contradição entre as alegações feitas por Jair Bolsonaro para justificar a tentativa de incorporação do kit de joias feminino e suas ações em relação a outras joias apresentadas por autoridades estrangeiras. Por que Jair Bolsonaro não se preocupou em causar um “constrangimento diplomático” ao vender as joias dos kits “ouro rosa” e “ouro branco”, também presentes oferecidos por autoridades estrangeiras ao então Presidente (ou a autoridades brasileiras em seu nome), quando em visita oficial, representando o Estado brasileiro”, destaca a PF.
“Atos para liberar ativos”
No mesmo sentido, os investigadores afirmam também que a versão de Bolsonaro foi reiterada por Fabio Wajngarten, um dos seus assessores e advogados que acompanharam o seu depoimento.
Na ocasião, solicitou que ficasse registrado que “o ex-presidente conversou com a Assistência das Ordens a fim de verificar e regularizar se possível, considerando que se tratava de um presente de uma nação amiga, evitando um constrangimento diplomático”.
Nas redes sociais, Wajngarten afirmou que a sua acusação era “absurda” e classificou as investigações como um “relatório inventivo”.
“As provas colhidas durante a investigação contradizem as justificativas apresentadas por Jair Bolsonaro para tentar retirar as joias retidas pela Receita Federal ao final de seu mandato. A partir de dezembro de 2022, os investigados passaram a praticar uma série de atos visando a liberação dos bens retidos para que fossem, ilicitamente, desviados para o acervo particular do então presidente da República Jair Bolsonaro”, reitera a PF.
Ainda na investigação, os investigadores também destacam uma postagem da defesa de Bolsonaro nas redes sociais. Na postagem, um dos advogados afirma que o ex-presidente não tinha conhecimento da negociação do relógio Patek Philippe.
“As provas colhidas nesta investigação contradizem as versões apresentadas por Jair Bolsonaro e sua defesa, revelando que o ex-presidente tinha pleno conhecimento da existência do relógio e dos subsequentes atos de negociação e venda do ativo, corroborando as informações prestadas por Mauro Cid no âmbito do acordo de colaboração firmado com a Polícia Federal”, cita trecho do documento.
“Surpresa” com pacote
A PF também aponta “informações contraditórias, dissonantes dos demais elementos probatórios colhidos” no depoimento de José Roberto Bueno Junior, que ocupava o cargo de chefe de gabinete do Ministério de Minas e Energia.
Afirmou que a delegação do então ministro Bento Albuquerque não tinha conhecimento do conteúdo dos pacotes recebidos como presentes, entregues pelo governo da Arábia Saudita, e ficou “surpresa com a localização das joias dentro dos pacotes”.
Junior relatou ainda que Bento repassou as joias ao declarante para o devido encaminhamento institucional, ficando o material guardado em cofre ao lado do gabinete do chefe de gabinete do ministro, nunca sendo exposto no Ministério.
“As evidências coletadas demonstram que, após receber as joias do Kit de ouro rosa em seu hotel na Arábia Saudita, poucas horas antes de embarcar para o Brasil, o então ministro Bento Albuquerque internalizou as joias no Brasil, de forma oculta, sem cumprir as determinações legais procedimentos junto à Receita Federal.
Posteriormente, para manter as joias escondidas, Bento Albuquerque contou com a ajuda de seu chefe de gabinete, José Roberto Bueno Junior”, diz a PF.
Dinheiro fracionário
No relatório final da investigação, os investigadores também destacaram a entrega de US$ 68 mil em frações pelo general reformado Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de campo Mauro Cid, ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
A reportagem foi confirmada pelo próprio Mauro Cid, que chegou a um acordo de delação premiada. “O colaborador combinou com seu pai, general Mauro Cesar Lourena Cid, que a retirada dos US$ 68 mil ocorreria fracionadamente e entregue conforme alguém que ele conhecia viajasse dos Estados Unidos para o Brasil; que o dinheiro seria sempre entregue em dinheiro, em um para evitar que circule no sistema bancário normal”, diz trecho do depoimento do dirigente.
Entrega de joias na sede do PL
Também em depoimento, o assessor Osmar Crivelatti afirmou que entregou um kit de joias que pertencia ao acervo presidencial, chamado de “kit ouro branco”, para outro então assessor de Jair Bolsonaro na sede do Partido Liberal, em Brasília, no dia 3 de abril. ano passado.
O relatório coincide com a fase de mobilização dos aliados do ex-presidente para devolver parte dos bens desviados, após a repercussão negativa do caso.
“(Crivelatti) pegou o relógio Rolex e levou para sua residência junto com os demais itens do kit ouro branco; que, conforme determinação do TCU, [Tribunal de Contas da União] para que os itens fossem entregues em uma agência da Caixa Econômica Federal no dia seguinte, o declarante levou o kit completo em ouro branco à secretaria do partido PL, à assessoria do ex-presidente; que no quarto o declarante entregou tudo ao coronel Câmara que, por sua vez, junto com um advogado, levou o kit à agência da Caixa Econômica Federal no dia seguinte”, afirmou.
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