Relatório divulgado nesta terça-feira (9) pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que o teto de gastos e o novo marco fiscal contribuíram para que as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para a década 2014-2024 não fossem alcançadas. Segundo o relatório, a rigidez das regras fiscais prejudicou a educação pública no Brasil entre 2019 e 2023.
“Desde 2017, o Brasil convive com três grandes regras fiscais que moldaram o quadro fiscal brasileiro até 2022 e restringiram o volume de recursos destinados à educação. Ao evitar que os gastos orçamentários crescessem mais que a inflação de um ano para o outro, o teto de gastos provou ser a regra fiscal mais rígida já implementada no Brasil”, disse Cléo Manhas, assessor político do Inesc, em entrevista ao Agência Brasil.
Segundo ela, mesmo que não de forma explícita, as regras fiscais que estipulam um limite para os gastos públicos levaram a um corte nos investimentos em educação. No período analisado pelo relatório, por exemplo, os recursos financeiros destinados à educação básica permaneceram em patamar baixo, aumentando apenas nos anos em que houve alguma flexibilização nas regras fiscais, como ocorreu em 2023.
“O ano de 2023 difere dos demais porque temos um novo governo e pelo fato de ser o único ano em que o orçamento público não ficou restrito a alguma regra fiscal com teto de gastos. Nele constatámos uma redução significativa da situação de subfinanciamento, quando comparada com a média dos anos que o antecederam. Por ser um ano isolado, ainda não houve tempo de recursos financeiros promoverem mudanças nos índices qualitativos da educação, mas reduzimos sensivelmente a distância até o nível de gastos compatível com uma educação de qualidade, calculado por especialistas da área”, afirmou Cléo;
“Embora o ano de 2023 se tenha revelado um alívio para o subfinanciamento da educação, o facto é que ainda estamos longe do volume de recursos considerados adequados para financiar os custos relacionados com uma educação de qualidade”, acrescentou.
Para o assessor do Inesc, os mais afetados pelo baixo nível de financiamento da educação são os grupos de estudantes indígenas, pretos e pardos. No Amazonas e no Mato Grosso do Sul, por exemplo, dois dos estados com maior percentual de estudantes indígenas no Brasil, gastando per capita com educação entre 2019 e 2021 ficaram abaixo da média nacional de R$ 5 mil por ano.
“Este estudo mostra que o argumento de que a escassez de recursos melhora a sua alocação é frágil. Na verdade, regras rígidas prejudicam o financiamento de áreas importantes para o país, que não têm lobbies financeiros a seu favor, como a educação”, conclui.
Estados
O relatório do Inesc analisou o financiamento da educação pública entre os anos de 2019 e 2023 em cada um dos 26 estados e no Distrito Federal.
A pesquisa revelou ainda que, entre 2019 e 2022, apenas cinco estados brasileiros e o Distrito Federal (DF) conseguiram superar o gasto médio nacional por aluno da escola pública por ano, estabelecido em cerca de R$ 5 mil. As unidades federativas que conseguiram obter esse resultado foram o DF, seguido por Amapá, Acre, São Paulo, Roraima e Paraná.
Em 2020, pior resultado do período, apenas estas seis unidades federativas conseguiram superar a média nacional. Em 2022, ano de eleições no país e com a divulgação de emendas parlamentares que flexibilizaram o teto de gastos, o resultado foi melhor, com 14 unidades federativas conseguindo superar a média nacional. Além do Distrito Federal, Amapá, Acre, São Paulo, Roraima e Paraná, os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Sergipe também conseguiram superar a média.
O relatório também demonstrou que, em alguns estados como Rio Grande do Sul, Maranhão e Alagoas, a média não só foi inferior à média nacional em 2023, mas também houve uma grande discrepância entre as expectativas e a realidade: embora esses estados devessem investir entre R$ 9,8 mil e R$ 10,9 mil por aluno a cada ano, os gastos com educação por matrícula não chegavam, na realidade, a mais de R$ 3,3 mil.
“A situação agrava-se ainda mais se pensarmos que os recursos gastos ainda teriam para corrigir a dívida educativa com as gerações passadas, bem como resgatar os alunos em idade escolar que abandonaram o ensino básico”, observou.
Melhorias
Para o assessor do Inesc, a educação precisa ser tratada como um investimento e não como uma despesa. Por isso, ela defende a necessidade de desvincular as transferências para a educação de uma regra fiscal de teto de gastos. “Em primeiro lugar, é preciso tratar a educação como um investimento e não como uma despesa que pode ser cortada a favor dos ventos. Precisa ser tratada como uma política pública que possa garantir cidadania e direitos a todas as pessoas, além de contribuir para o desenvolvimento do país”, afirmou.
“O que propomos, como caminho necessário para superar o subfinanciamento da educação nas unidades da federação, é a dissociação das transferências educacionais de qualquer regra de teto fiscal. Os pisos são bem-vindos para evitar que governos mais sensíveis aos interesses privados reduzam os gastos para níveis ainda mais alarmantes, mas o limite máximo tem se mostrado um obstáculo significativo nos últimos anos”, destacou.
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