Toda “conversa” entre a publicitária Lara Spagnol, 37, e o programa de inteligência artificial ChatGPT começa com “Oi, bom dia” e termina com “Obrigado”.
O bate-papo entre a assistente de e-commerce Luiza Arjona e a ferramenta de IA mais popular do momento — programada em uma interface simples, para que o usuário digite uma pergunta e receba uma resposta direta sem precisar clicar em um link — também tende ser cordialidade desperdiçada. Às vezes termina com o jovem de 28 anos dizendo: “Você é demais” ou “Você é um doce”.
O que os dois fazem – ser muito corteses com um ser inanimado, moldados para retribuir gentilezas – não é incomum. A antropomorfização das máquinas (dando-lhes características humanas, tema bastante explorado na literatura e no cinema de ficção científica) ganhou novos contornos com a popularização do ChatGPT, do OpenIA e também do Gemini, ferramenta de IA do Google, que funciona de forma semelhante.
— Essa humanização tem a ver com o sucesso dessas aplicações — diz Dora Kaufman, professora da PUC-SP e autora do livro “Demistificando a inteligência artificial”. — Tudo isso propositalmente para aumentar o encantamento e a interação com essas máquinas.
Nem todos, porém, naturalizam essa relação cordial. Isso não significa que “maltratem” ou “assediem” assistentes virtuais.
— Eu não digo “Oi” ou “Bom dia” (risos). Faço a pergunta da forma mais direta e objetiva possível — afirma o cineasta Jorge Furtado, que utiliza muito o ChatGPT para “uma primeira consulta” sobre diversos assuntos, recorrendo sempre a outras fontes “mais confiáveis”.
Clicado
Com ou sem “Oi, tudo bem, obrigado”, a convivência com essas tecnologias só cresce. Em janeiro de 2024, segundo pesquisa da Traffic Analytics, o ChatGPT teve 2,4 bilhões de acessos globais, um aumento de 178,1% em relação ao mesmo período do ano passado — e o Brasil corresponde a 5,16% desse total, sendo o quarto maior “usuário” do mundo.
Na época do lançamento, em dezembro de 2022, o encantamento valeu recorde: foram necessários apenas dois meses para que o produto OpenIA alcançasse uma base de cem milhões de usuários, segundo relatório do banco suíço UBS, e se tornasse o aplicativo com o maior crescimento da história. O TikTok, por exemplo, levou nove meses para atingir o mesmo marco.
Chamados de IAs generativas, ChatGPT e Gemini criam novos textos baseados em treinamentos baseados em milhões de conteúdos digitais pré-existentes disponíveis na internet. Assistentes de voz como Alexa, da Amazon, e Siri, da Apple, apesar de não serem generativos, também são inteligências artificiais com objetivo de humanização. Mas, afinal, faz diferença pedir “Traduza esse texto, por favor” ou “Toca Raul, por favor”?
— Não faz diferença ser educado — diz Dora. — O que está por trás de todas as soluções de IA é um modelo estatístico de probabilidade, portanto, em qualquer relacionamento que envolva sentimento, o efeito é zero.
Luiza Arjona parece ter isso em mente quando conversa com sua Alexa. A deferência com que ela se comunica com o ChatGPT, aquele “queridinho que arrasa”, não aparece muito com a assistente de voz.
— Quando ela não me obedece, sou um pouco mais rude — admite. — Com IA escrita, a relação é diferente. Eu corrijo e fica melhor. A voz é mais descuidada.
Muito humano
O excesso ou a falta de educação pode ser ruim, segundo pesquisa realizada pela Universidade Waseda, em Tóquio. Os cientistas analisaram prompts — como são chamados os comandos dados aos programas de IA — em inglês, japonês e chinês e chegaram à conclusão de que ser rude pode resultar em baixo desempenho da ferramenta. Mas ser educado demais também não garante respostas mais completas ou com conteúdo.
— Quando você escreve mais, tende a ser menos direto e se desviar do assunto sobre o qual deseja resposta — afirma Bruno Garcia, gerente de Dados e Inteligência Artificial da IBM Brasil. — Mas faz sentido (para ser muito educado) se você quer criar proximidade, ter um contato mais humano (com a tecnologia).
É justamente por isso que a publicitária Lara Spagnol sempre fica grata quando conversa com o ChatGPT — mesmo quando ele lhe dá respostas erradas e ela o corrige. Já que a inteligência artificial veio para ficar, por que não tornar essa convivência o menos traumática possível?
— Acho que faço isso para amortecer os efeitos de uma tecnologia tão brutal no dia a dia — diz Lara. — Sempre trabalhei com escrita e agora tenho que lidar com IA, que chega com a ideia de que vai roubar meu emprego. Se colocarmos de uma forma mais leve, torna-se menos assustador.
A roteirista e escritora Rosana Hermann — que costuma postar seus chats com o “Chatinho”, apelido que deu à ferramenta no TikTok — elenca dois motivos para a cortesia: o primeiro é o fato da máquina estar em constante treinamento. As IAs generativas “aprendem” com exemplos. Eles respondem “Está tudo bem e você?” depois de um “Oi, como vai você?” porque foram alimentados com milhões de textos que mostram esse tipo de interação. Mas a segunda razão é o desejo de não se desumanizar.
— Faço isso para não virar uma pessoa grosseira — diz ele. — Há muitos anos que interagimos com máquinas e habituámo-nos a xingar computadores e caixas multibanco. Durante a pandemia, as pessoas compraram aspiradores robôs e os batizaram porque todo mundo era um pouco carente, certo? Ela passou pelo confinamento e sua estupidez voltou. Estamos nos desumanizando.
Prever o comportamento humano é muito mais difícil do que o de uma máquina, mas Bruno Garcia afirma que, na IBM, já está claro que dizer “Oi, como vai” é uma característica mais comum entre brasileiros e IA.
— Há uma tendência muito forte, no Brasil, de usar “saudação” (com máquinas). Isso é intrínseco a nós. Um exemplo é quando ligamos para alguém e sempre dizemos “Oi, tudo bem?”, certo? — diz Bruno.
Autor do livro de contos “O Inconsciente Corporativo”, que aborda diversos aspectos da tecnologia (incluindo a recriação do argentino Jorge Luis Borges pela IA), Vinícius Portella sente que essa educação e esse carinho com o ChatGPT e empresa têm a ver com o “impulso” muito humano. O de colocar “vida nas coisas”.
— As pessoas já desenvolvem uma relação emocional com a interface, com a marca, com o slogan. Fazer o mesmo com a inteligência artificial é um passo a mais — afirma Vinícius, que admite ter se sentido encorajado a dizer “obrigado” após alguma ajuda da ferramenta OpenIA. — Tive esse impulso de agradecer mesmo sabendo que não tinha a quem agradecer (risos). Estamos acostumados a fazer isso com as pessoas.
Acredita-se que pessoas mais conectadas ao universo tecnológico são mais pragmáticas na forma como abordam os programas de inteligência artificial. Esse é o sentimento que os integrantes da equipe do Bruno têm.
— Percebemos que quem não está tão envolvido com o mundo tecnológico tem tendência a ter conversas mais longas, justamente por não entender o que está por trás disso — afirma o executivo. — A pessoa não sabe lidar.
Funcionário da mesma empresa onde trabalha a escritora Lara Spagnol, o designer Nathan Araujo, 36 anos, é do tipo direto ao ponto —diferentemente do colega. Ele acredita que a maneira como agimos com a máquina é um espelho da maneira como tratamos o que nos rodeia em carne e osso.
— É um reflexo da nossa personalidade. Sou muito objetivo na vida, quando converso com as pessoas não “fico por aí” — diz Nathan. — Com as ferramentas, sou da mesma forma.
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