Líderes do Mercosul se reúnem no Paraguai neste final de semana e realizarão a cúpula de chefes de Estado na segunda-feira, 8, em Assunção, em momento de tensão política no bloco, principalmente entre os líderes das duas principais economias, Brasil e Argentina.
A reunião de chefes de Estado formalizará a entrada da Bolívia no Mercosul, mas poderá ser ofuscada pelos efeitos da briga pública, com insultos e provocações, entre o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o libertário Javier Milei.
O argentino recusou o que teria sido sua estreia no bloco. É a primeira vez que um presidente argentino deixa de comparecer, segundo o Itamaraty. Seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, também se ausentou da cúpula há dois anos.
A decisão de Milei esvazia a reunião do Mercosul e expõe uma recente virada ideológica na política externa argentina. Nos primeiros meses de sua gestão, o Itamaraty tentou preservar pontes, mitigar esses conflitos e vendeu a ideia de pragmatismo e de que o presidente poderia ser “controlado”.
Mas agora o ministério sofreu a intervenção de Karina Millei, irmã do presidente, secretária-geral da Presidência e sua principal assessora. Ela assumiu papel de liderança na formação de delegações, como a que foi ao G-7, na Itália, desbancando Mondino ou nomeando pessoas em quem confiava para concentrar e exercer o poder.
Milei tem sido um fator de tensão política na região. Recentemente, ele entrou em confronto com a Bolívia e a Venezuela, países do bloco, bem como com a Colômbia, um estado associado, por causa de repetidos insultos ao presidente Gustavo Petro, semelhantes aos que fez contra Lula.
As crises diplomáticas levaram à retirada de embaixadores, à expulsão de diplomatas, ao confisco de aviões e à proibição de sobrevoos.
Além disso, Milei marcou uma viagem privada ao Brasil para falar “contra o socialismo” em evento promovido pelo principal rival interno do governo Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo político. Ela foi recebida com status de estrela entre a direita.
O governo brasileiro “lamentou” a ausência de Milei no Mercosul e evitou comentar a primeira visita de Milei ao Brasil. Mas a delegação de Lula no Paraguai monitora possíveis provocações e avalia medidas diplomáticas imediatas de retaliação, dependendo do conteúdo dos discursos de Milei em Santa Catarina.
Estarão presentes os presidentes do Brasil, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Panamá – o recém-empossado José Raúl Mulino, convidado especial.
Bolívia e Venezuela
Em Assunção, as discussões entre os líderes serão essencialmente políticas, influenciadas pelas diferenças entre os presidentes Lula e Milei e por dois fatores de instabilidade interna relacionados com os países que procuraram a adesão mais recentemente – Bolívia e Venezuela.
Suspensa do Mercosul desde 2017 devido a abusos autoritários do regime chavista, a Venezuela passará por eleições presidenciais no dia 28 de julho, num processo turbulento marcado por restrições à participação de opositores do ditador Nicolás Maduro – alguns foram contestados, e outros foram presos. Parte refugiou-se na embaixada argentina em Caracas, com a aprovação do governo Milei.
O governo Lula afirma apoiar a reinserção plena da Venezuela no Mercosul, mas o Itamaraty afirma que o tema não consta da agenda oficial da cúpula.
Embora a realização de eleições transparentes e livres, aceites por todas as partes, seja vista como um passo para a reintegração da Venezuela no bloco, ainda existem questões pendentes porque Caracas não cumpriu as etapas do protocolo de adesão.
Na última reunião, no Rio, os presidentes reforçaram o compromisso com a defesa da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos
O presidente boliviano, Luis Arce, virá a Assunção para depositar formalmente o instrumento de entrada, aprovado pelo Legislativo do país na semana passada. Em 30 dias, a Bolívia se tornará membro pleno e terá um prazo de quatro anos para incorporar o marco regulatório do Mercosul à sua legislação.
“É um grande momento para o Mercosul ver uma participação ampliada com a entrada de um país tão relevante para o Brasil como a Bolívia”, disse a Embaixadora Gisela Padovan, Secretária para a América Latina e o Caribe.
Segundo o diretor do Departamento do Mercosul, embaixador Francisco Cannabrava, os países menores do continente veem o bloco como uma “oportunidade para aumentar suas exportações de produtos de valor agregado”.
O tema mais quente, porém, será um quartel que o governo boliviano denunciou como uma tentativa de golpe de Estado, em La Paz. Arce recebeu apoio imediato do Mercosul.
Posteriormente, o general preso por liderar o atentado acusou Arce de ter ordenado um autogolpe. O líder boliviano nega. O governo Milei, porém, afirma que o movimento era falso.
A entrada da Bolívia poderia equilibrar o jogo interno de forças. Atualmente, Lula é o único presidente de esquerda e sofre pressão de outros.
Após participar da cúpula no Paraguai, Lula visitará Arce em Santa Cruz de La Sierra para se solidarizar e tentar mediar a disputa interna entre ele e seu ex-padrinho, o ex-presidente Evo Morales.
Além da disputa com Milei, o petista enfrenta reclamações recorrentes dos uruguaios, que posteriormente assumem a presidência interina. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, quer avançar com um acordo comercial com a China, mesmo que unilateralmente, e Lula tenta manter esse ímpeto.
“Não temos problemas em abrir negociações com a China, se os cinco países estiverem juntos, com todas as dificuldades que isso implicará”, disse Padovan. “Se houver interesse, estamos preparados para discutir”, acrescentou o embaixador Francisco Cannabrava, diretor do Departamento do Mercosul.
Embora a Casa Rosada negue relação de causa e efeito, a briga pública entre Lula e Milei poderia ter um novo capítulo caso eles se conhecessem pessoalmente na capital paraguaia. A ausência do argentino também levanta novas dúvidas sobre a falta de prioridade política e as intenções de seu governo com o bloco
Durante sua campanha eleitoral, Milei ameaçou retirar a Argentina do Mercosul. Ele acusou o grupo de prejudicar seus membros e de criar distorções comerciais.
Nos primeiros meses de seu governo, porém, os representantes argentinos deram sinais de que se concentrariam na negociação de acordos comerciais com outros países e blocos, de forma conjunta, que pudessem modernizar o Mercosul.
O anfitrião paraguaio, Santiago Penã, chegou a indicar que tentaria criar um meio-campo entre Lula e Milei. Apesar de sua visão ideológica de direita, tende a ser o mais pragmático e simpático a Lula entre os atuais presidentes do Cone Sul, o que é atribuído à profunda relevância da relação econômica e energética, via usina de Itaipu Binacional.
Os países renegociam parte do tratado relativa às condições de venda e utilização da energia elétrica gerada.
“Quero estar na lista dos que querem trabalhar pela integração”, disse o paraguaio. Os anfitriões também convidaram representantes da Venezuela. O Itamaraty, porém, informou que não havia representantes de Caracas credenciados para atividades no Porto de Assunção, que foi reformado para receber atividades do Mercosul.
Os países também discutem áreas de controlo integrado de fronteiras e barreiras ao comércio intra-bloco. Os Ministros das Relações Exteriores assinam acordo de coprodução cinematográfica e audiovisual, além de acordo de complementação financeira e técnica entre Mercosul e Fonplata (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata).
A cooperação se dará por meio do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), que dispõe de US$ 160 milhões em caixa para projetos.
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