Espancado pelo pai, ignorado pela mãe e abusado física e psicologicamente pelos colegas de escola. Assim foi a trágica infância de Julio Méndez, protagonista do novo romance digital e interativo de Martín Caparrós, “Vidas de JM”. Mas foi também a do presidente populista e “anarcocapitalista” da Argentina, Javier Milei. O próprio autor reconhece isso.
“Esta não é a infância de Milei, é de Julio Méndez, mas para construí-la me baseei em muitas histórias da infância do presidente que aparecem na biografia ‘El loco’, de Juan Luis González”.
A biografia, divulgada em 2023, antecipou as iniciativas que tentam decifrar o polêmico líder e destacou o amadurecimento traumático que moldou sua personalidade “rancorosa e furiosa”, segundo Caparrós.
No romance, o protagonista vivencia esse ódio acumulado nos primeiros anos, a relação com a querida irmã, a obsessão por cachorros e a falta de habilidade e sorte com as mulheres, em alusões mais ou menos óbvias ao presidente.
“Talvez, em algum momento, se possa pensar que, entre outras coisas, esse tipo de infância explica o número de eleitores (mais de 14 milhões) que um homem como Milei consegue. , incomodam justificadamente as pessoas que acabam escolhendo quem os representa com base nessa raiva”, diz Caparrós.
Crescer em um ambiente sexista, cujo eixo é o poder de um pai abusivo, afeta muitas famílias latino-americanas de gerações anteriores, inclusive a de Milei, segundo a escritora. O pai do personagem Julio Méndez se justifica toda vez que bate no filho:
“Espero que vocês lembrem que o papel do pai não é ser bom, que a mulher já está aí para bancar a boazinha, uma tremenda mentirosa. Um pai tem que ensinar, tem que endurecer o filho para que ele possa viver nesse mundo de merda. Mesmo que isso seja difícil, é seu dever.”
A biografia do presidente argentino revelou que sua mãe foi cúmplice dos espancamentos que seu pai lhe infligiu. Na história de Caparrós, ela até gosta dessa violência, embora também seja vítima: “Eu realmente não acredito que essa seja a minha vida: criar esse cara mal-humorado que não para de lutar e sempre perde. [… ] e ter que cuidar da casa e mantê-la limpa, senão o sangue sobe à cabeça do meu marido e ele começa a procurar alguém para bater e adivinhar quem é mais fácil e mais próximo.”
Em sua família, o protagonista de “Vidas de JM” só encontra o amor na irmã, Karola. A personagem remete claramente à intensa relação entre Milei e sua irmã Karina, a quem o presidente chama publicamente de “a chefe” ou “a messias”.
No romance, o escritor erotiza essa relação: “Agora o que mais gosto é de cuidar da minha irmãzinha. Eu tenho doze anos, ela tem sete. Então, quando nossos pais não estão lá, eu digo a ela, vamos brincar que somos mamãe e papai e vamos para minha cama e nos abraçamos e beijamos.
Outro traço da personalidade intrigante de Milei pode ser visto em sua ligação privada com seus cães, “seus filhos de quatro patas”, como ela os chamou em uma entrevista, insinuando até que conversa com um deles que já faleceu.
No alter ego Julio Méndez, essa obsessão se justifica pelo trauma que seu pai gera ao se recusar a comprar um cachorro para ele e jurar: “Aconteça o que acontecer, custe o que custar, um dia terei um cachorro e amarei ele como se ninguém me amasse.”
“Vidas de JM” acompanha paralelamente os acontecimentos reais da infância e adolescência do governador, sendo importante para a trama seu passado como goleiro de futebol do time Chacarita. Caparrós usa o hipertexto para criar links que levam a outros detalhes da história ou se aprofundam em personagens secundários, como Gustavo, seu único amigo em vida, outra analogia verdadeira.
“Desde o ano passado eu tinha essa obsessão de gravar alguma coisa nesse sistema, não sabia o quê. Fiquei muito distraído com o processo político argentino, o triunfo de Milei, etc. livro com hiperlinks relacionados a esse processo político?” explica o autor.
A parte do livro em que o digital mais se destaca acontece quando o protagonista completa 18 anos e é expulso do time de futebol por marcar um gol em uma partida importante. Ele sai de campo irritado e encontra Rodolfo, um dos colegas de escola que o maltratou. Em seguida, o leitor deve tomar a decisão de como a história continua: ou Rodolfo lhe oferece uma linha de cocaína, ou propõe um contrato para que ele continue sendo jogador de futebol, ou Julio o confronta sobre todos os abusos que sofreu quando criança. .
Nesse ponto, o romance também se afasta da realidade e levanta hipóteses sobre o futuro de seu protagonista, até 12 possíveis.
— Comprei uma folha de papel bem grande e comecei a desenhar setas, linhas e coisas assim. Procurei dar uma certa lógica à viagem, sempre com o leitor no controle, como em “O jogo da amarelinha” — explica Caparrós, citando o clássico de Julio Cortázar.
O primeiro final – isto é, se Júlio escolher a cocaína – é o mais infeliz. Termina com o protagonista aos 50 anos, “sem um centavo, sem casa, sem carro, sem mulher e sem planos”, morando em Villa Manubrio, um dos bairros mais pobres da cidade, após ser drogado revendedor, baterista, pintor e eletricista.
A segunda opção é mais bizarra e coloca o protagonista no campeonato guatemalteco, onde se torna ídolo e constrói um hotel que lhe traz grandes benefícios. Ele termina mal, porém, assassinado por gangues locais.
A terceira conclusão é a que mais se assemelha aos acontecimentos autênticos da vida adulta de Milei. Assim como na vida real, o pai do livro concorda em pagar os estudos do protagonista se ele estudar Matemática.
Julio Méndez descobre na universidade as ideias libertárias que propõem “que o Estado é o culpado por todo o mal e que a única solução para o mundo é fazê-lo desaparecer, e como é surpreendente que tantos milhões de homens e mulheres aceitem vivem como escravos ‘do Estado – enquanto afirmam que são livres’”.
Sob a influência dessas ideias, torna-se consultor de negócios: “dizia-se que não havia ninguém em toda a cidade mais hábil em evitar impostos do que o Dr. Julio Méndez”.
Porque os impostos são o “grande sistema de saque do Estado e ele foi um novo Robin Hood que tirou dinheiro do grande ladrão para devolvê-lo aos seus verdadeiros donos, os empresários que com o seu esforço criaram capital para si e trabalharam para outros, o que fez Argentina avança.”
De um pobre infeliz que acaba sozinho em uma favela a um empresário de sucesso conhecido em todo o país. Caparrós acredita firmemente que o acaso pode ser tão decisivo, graças a uma experiência que teve.
— Em 1976 encontrei por acaso um colega activista que tentou convencer-me a deixar o país porque iria acabar muito mal. Não acreditei nisso, porque naquela época eu já tinha saído do serviço militar. Acabei ouvindo ele e saí da Argentina. Três meses depois bateram na minha porta e todas as coisas que (a ditadura militar) fez. Se aquele encontro tivesse sido mais cedo ou mais tarde, eu teria ficado e talvez agora estivesse morto desde 1976. Este livro mostra que às vezes tentamos evitar o acaso porque é um pouco desesperador que coisas tão pequenas mudem nossas vidas.
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