A volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, em 2023, não interrompeu a liderança em defesa das armas da população no debate sobre o tema no Congresso Nacional visto na última década.
É o que revela uma investigação do Instituto Fogo Cruzado, organização que se dedica a produzir indicadores sobre a violência armada no país, divulgada esta segunda-feira. A pesquisa indica que, apesar da mudança de rumo do Executivo, os parlamentares favoráveis à ampliação da posse de armas mantiveram a hegemonia no primeiro ano da atual configuração do Legislativo.
Os pesquisadores apontam que, em 2023, houve 75 discursos a favor do armamento da população, enquanto outros 24 assumiram posição contrária. Ou seja, as tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado foram ocupadas três vezes mais por parlamentares pró-armamento do que por aqueles que se opunham ao movimento.
O estudo analisa discursos proferidos no Congresso Nacional entre 1951 e 2023. A pesquisa constata que o predomínio de declarações a favor da facilitação do acesso a armas para qualquer cidadão começou em 2015.
A pesquisa destaca que houve um “processo mais intenso de renovação da elite política”, sendo esta a primeira legislatura eleita desde as manifestações de 2013. Foi quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) foi eleito pela primeira vez por São Paulo, e Jair Bolsonaro foi o deputado mais votado do Rio de Janeiro, com 654 mil votos.
Foi também a primeira vez no período estudado que houve mais discursos a favor da ampliação do acesso às armas do que a favor do seu controle. Houve 272 entre 2015 e 2018, dos quais 198 eram pró-armas (73%), 65 eram pró-controle de armas (24%) e nove eram neutros (3%).
Na legislação seguinte, entre 2019 e 2022, o Legislativo reduziu sua atuação em relação ao tema, dada a ampliação do acesso a armas que foi avançada por meio de decretos e portarias do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Foram gravadas 173 falas no período. Entre os destaques estavam os parlamentares Bibo Nunes (PL-RS) e Heitor Freire (União-CE) na defesa dos armamentos, enquanto Erika Kokay (PT-DF) teve espaço no movimento contrário.
O decreto de Lula
A tendência de redução de discursos não se manteve após as eleições de 2022. O crescimento ocorreu depois que Lula, em um de seus primeiros atos após a posse, assinou um decreto que suspendeu por um ano os registros para aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito a caçadores, atiradores e coletores (CACs) e particulares, a concessão de novas inscrições em clubes e escolas de tiro e a concessão de novas inscrições no CAC. O regulamento também estabeleceu um grupo de trabalho para apresentar novas regulamentações para o Estatuto do Desarmamento.
Coordenadora de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, Terine Coelho acredita que houve uma “institucionalização do movimento pró-armamento no Congresso Nacional”. A pesquisadora destaca que na atual legislatura, além de duplicar a bancada, o movimento começou a se organizar, como ocorreu com a criação do grupo PROARMAS.
— A pesquisa mostra a existência de um campo de armas muito organizado, enquanto os parlamentares pró-controle de armas não estão se mobilizando. É preciso olhar para o Congresso para saber se ele está, de fato, representando o que a população deseja. Detectamos um grupo mais barulhento, mas que não representa necessariamente o que pensa a maioria do povo brasileiro — aponta Coelho.
Baixa diversidade
O estudo aponta que nos primeiros 45 anos analisados, entre 1951 e 1996, houve baixo número de discursos. Entre 1997 e 2006 ocorreu uma intensificação, no contexto da criação do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), do Estatuto do Desarmamento e do referendo sobre venda de armas, totalizando 827 discursos.
Por outro lado, entre 2007 e 2014, o debate perdeu força com 550 discursos. A discussão centrou-se na regulamentação do armamento dos guardas civis e no uso de armas no manejo dos javaporcos, espécie que se tornou praga em campos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
A pesquisa também destaca a baixa diversidade entre os atores envolvidos no debate sobre armas. Segundo o estudo, os perfis de gênero e raça dos parlamentares que discursam sobre o tema no plenário são compatíveis com os da composição do Legislativo como um todo, com grande maioria de homens e brancos.
Entre os argumentos mais utilizados por ambos os lados para defender pontos de vista estão o medo da violência, a gestão da segurança pública, a divisão da sociedade entre bons cidadãos e criminosos, o papel da política e como as armas impactam de forma diferente os grupos populacionais. de acordo com sexo, cor ou idade.
O que cada lado argumenta:
Armamentistas:
Direito à defesa,
Falta de controle sobre a segurança pública,
Impacto do desarmamento no aumento da violência,
Aspectos legais do uso de armas,
Divisão entre criminosos e bons cidadãos.
Controle pró-armas:
Monopólio do uso de armas pela polícia,
Consequências da maior circulação de armas para a segurança pública,
Necessidade de uma solução mais ampla para a violência e os impactos nas mulheres, nas populações não brancas e nas escolas.
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